O marcador de páginas

O marcador de páginas

Mais uma folha em branco fora preenchida com a narrativa daquele homem.

Ele falava de cada um dos mil dias que couberam ao seu filho aqui neste plano.

Foram quase três anos de uma convivência harmoniosa e cheia de alegrias.

Tudo começou quando sua esposa não resistiu a um parto difícil.

Ela partiu deixando um homem de olhos marejados e um recém-nascido que ainda lutava para viver. Ele ainda nem havia superado a perda da esposa e agora se via debruçado sobre o corpo daquela criança que estava por completar três anos. Seu coração estava apertado e um sentimento de revolta ameaçava invadir sua alma.

A página foi virada, porém, a narrativa foi ficando cada vez mais dramática.

A lembrança de uma mulher amada, um quadriculado espaço de terra onde agora seu filho repousa. O que mais poderia acontecer àquele homem? Que motivação ele teria para continuar vivendo? Seria o fim?

Na virada da página, uma folha em branco aguarda novos beijos de uma caneta hesitante.

Na seqüência várias folhas passaram em branco, até que, novamente a caneta se move.

Uma história que parecia ser nova se desenha aos poucos e, aquele papel, vai ganhando vida. Era uma história comum, havia até certo desalento, e, assim, a página foi virada.

Uma nova mulher lhe chama pelo nome e o alerta para a hora do jantar; enquanto isso o farto vapor vindo do banheiro indicava que alguém extrapolara no banho.

Uma menina sai enrolada em uma felpuda toalha e nem liga para as broncas que recebe.

O casal dialoga acerca da conta de energia que mais uma vez virá alta àquele mês.

A página é virada e um novo enredo se desenvolve.

Um homem solitário habita uma grande casa. ( Antes não parecia tão grande assim)

O olhar meio tomado por catarata já não consegue distinguir algumas galinhas que passeam ao seu redor e, estas, parecem dar graças por não terem sido mortas, já que havia passado e muito do ponto de abate. Novamente a página é virada e, desta vez, não havia ninguém para ser narrado. Findaram-se as páginas, mesmo com muitas em branco, o livro foi fechado.

O grande autor da obra ainda tinha algo a acrescentar. Na orelha daquele incompleto livro surgiu uma apresentação e ao final desta havia uma assinatura: Ele deixou de escrever quando deveria ter escrito e sequer se importou que houvesse alguém ávido por acompanhar sua história. Renegou-me simplesmente a um mero marcador de páginas e, como tal, assim o fiz. As páginas que ficaram em branco pertencem ao meu pai e sei que Ele dará a alguém em forma de uma segunda chance.

Jesus Cristo.

Rubens poeta
Enviado por Rubens poeta em 11/08/2011
Código do texto: T3153581
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