A Chama Remanescente

A luz que se apaga apenas acentua

A chama ardente que remanesce,

Mesmo sem ar...

A estrela se sufoca, implode,

Dando gênese ao buraco na parede da memória.

Encerrando o espetáculo que não havia começado,

Embora todos tão vívidos ensaios...

Os atores – que ainda nem sequer eram personagens –

Dançavam no palco sem cenário, sem roteiro,

Sem iluminação daquele teatro vazio:

Nosso sarau, grotesco e surreal,

Sem diretor e sem direção.

Dançavam sonhos em efemeridade da escuridão.

Pedaços de vida rindo, gritando, escorrendo

E exalando seu corta-rédeas-de-padrão...

Atores mal-pagos pelas pedras das rodovias

- Tão vazias vias – que furam seus sapatos velhos e baratos.

A trupe que invadia e ocupava, sem alvará,

Sua função de estar, em dispêndio da matéria,

Na fúria atroz da pena que voa, que escreve,

Que sangra...

Os palhaços a riam, os malabaristas a agitavam,

Os poetas a exaltavam junto dos bardos

- Que a cantavam junto de seus fardos – em dentes amarelos

E olhos secos de tanto chorar e rir, ela:

A asa de voar para os céus desejados.

E, de súbito, uma das poesias deixou o livro em composição.

Sem se despedir, se esvaiu, sumiu, desapareceu.

A concepção era simples, e não de preocupação:

Esta iria dançar em outros livros.

- Seu brilho esta no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz,

De criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Os livros se encaminharam,

As trupes encenaram, se encerraram e continuaram,

E várias poesias foram saltitar em outras páginas.

O mundo virou nosso palco, e já não estávamos ensaiando.

(...) Nada se soube sobre a poesia atriz-feliz.

E foi-se dada a notícia num mural velho de mais um dos palcos

Rechaçados e dilacerados, no qual poetas bêbados e entorpecidos

Cantavam mais uma ode dos marginalizados.

(...)

O silêncio estanque fulminou a garganta de todos.

A hemorragia recôndita fora cruel, um súbito linear

Dissonando a nota única que todos esperam, desesperam e exasperam.

Uma estrela que se perdeu em seu fôlego.

Um pedaço arrancado da bomba sanguínea de cada poeta gritante.

Lágrimas alcoólicas e sangue toxicológico...

Um poema incompleto, uma covardia da existência

Abortar uma estrela viva...

A lástima intransponível...

Não haveria de se dizer mais nada.

As poesias se entreolharam em seus prantos, com um único e uníssono verso já citado:

- Seu brilho está no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz, de criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Uma estrela morta ainda grita dentro de sua galáxia...

A luz que se apaga apenas acentua

A chama ardente que remanesce,

Mesmo sem ar...

Ironic
Enviado por Ironic em 08/08/2011
Código do texto: T3147845
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