... O rio corre...
"Parece que ela morre..."
...
ninguém disse nada.
Não há nada a se fazer agora.
O tempo dela já passou.
Agora eu estou entre gente grande.
E ela, parece que ela desfalece a cada minuto.
Uma vida perdida, apagada,
olhos brilhantes de lágrimas
... ela apenas ouve as vozes...
"Parece que ela morre..."
Samuel... ele vai chegar!
Num cavalo negro de crina longa...
De cabelos compridos e olhos fugitivos,
no escuro da noite, no vento triste do anoitecer.
A noite cai...
sua mão cai pra fora do leito...
fúnebre, a flauta toca na toca...
um bicho solitário e desprezado cai.
Ela cai!
"Parece que ela morre..."
"... morre quando falamos..."
ninguém disse mais palavra.
"Que Deus a tenha."
Meu santo inferno.
Samuel... suas filhas chamam! Samuel...
seu filho fecha os olhos...
"Samuel...parece que ela morre...", a carta diz.
Caras fechadas...
Mas ela passou,
um vulto, uma sombra,
um bicho repugnante se arrastou naquele chão.
Eu vi que lá, hoje, muitos vivem...
ninguém mais se lembra, ninguém ouviu falar.
Vidas de verdade onde ela se arrastou:
ela apenas olha pela janela.
Ou será que fui eu quem olhou?
Ela agora, num leito de morte iminente,
começa a acordar do pesadelo,
a chamar por Samuel e pedir...
pede um copo de águas-vivas,
ela pede a água da vida.
Todos baixam os olhos.
Todos viram os rostos. Dão desculpas.
Ninguém tem coragem de falar...
Cochicham:
"Parece que ela morre..."
"Ela vai morrer... com certeza."
Ninguém assume a culpa...
Não há nada a se fazer, agora.
Nessa hora ninguém tem culpa.
...Samuel...
...Samuel...
...Samuel...
A respiração carregada.
Ela cala.
A mão cai pra fora do leito...
O rio corre...