Devoção

Eu mais que te amava...
Eu te adorava, e tanto,
Que te chamava Deusa
E fiz de teu corpo um templo
Diante do qual me ajoelhava.
O teu sorriso, eu dizia o sol.
E me aquecia, me acalentava.
Teu olhar, oh saudade! era luz
Me iluminava, me apaziguava.
Teu cabelo, muito louro, cachoeira,
Cascatas de ouro, onde eu menino
Não cansava de brincar.
Em tua pele quente e lisa
Eu descobria caminhos
Onde passeava minha boca
Em busca de teus seios, de teu ventre,
Onde eu feliz, me perdia.
E quando vicejava de teus poros, teu suor
Eu bebia, e teu gosto me punha em desatino
Lembrava o mar.
E eu te amava, te amava,
E te amar era divino.

Eu mais que te amava...
Eu te adorava, e tanto,
Que te doei meus pensamentos.
E fiz de meu amor por ti um culto,
Que dia e noite cultuava.
Tua voz, eu dizia música.
E eu ouvia, me extasiava
Tua palavra, oh saudade! era oração.
Eu aprendia e então rezava
Tua vontade, teus desejos, por mais loucos,
Ordens de Deusa, que eu escravo,
Não podia recusar, não ousava.
Em teu sono leve e lindo,
Adivinhava teus sonhos,
E passeava minha mente
Em busca de teus anseios inconscientes
Pra te fazer feliz.
E se murmuravas um gemido em teu torpor
Eu me assustava,
E o medo me punha em desatino
Lembrava o mal.
E eu te amava, e te amava
E te amar era divino

E aí foste embora...
Encontraste o que depois de mim?
Sabias não haver amor maior...
Quanto de ruim já te feriste?
Sem que nada eu pudesse fazer.
A não ser sofrer calado
Toda vez que me procuras
E me faz sentir a vanidade
Do imenso amor que devotei.

Eu mais que te amava
Eu te adorava, e tanto
Que hoje me sinto esvaído
De todo o amor que eu te dei
Não há mais templo, nem culto, nem Deusa
Somente nada, e sigo, a deriva, absorto
Ora rindo, chorando às vezes,
Morrendo aos poucos
Sem norte e sem porto.



(Campinas, Maio de 1992)
HFigueira
Enviado por HFigueira em 02/08/2011
Reeditado em 14/01/2012
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