Ao Sol - que venha a nós o vosso Reino!
aqui estou,
depois de descer e subir ladeiras,
depois de tantos encontros e desencontros,
aqui estou,
depois de cruzar estradas,
depois do ouro e do minério,
aqui estou de volta ao meu cerrado: aqui sou um calango!
aqui posso me estirar
nas pedras e calçadas quentes de minha terra
e tostar que nem calango embaixo do sol ardente!
ah, os raios de sol
batendo na pele da gente que nem chicote no lombo do boi.
ah, o sol, sol que tanto careço!
sol da qual dou graças e louvo
"Ó Pai Nosso que estais no céu
Santificado seja o vosso nome
Venha a nós o vosso reino!"
assim medita o calango dando graças ao sol.
e quando o sol é quente, quente de não ter mais jeito:
aí me achego a sombra
de alguma árvore prazenteira - ipês, guapuruvus, mangueiras -
e fico a ver passarinhos
sabiás, cambacicas, joões-de-barro e ben-ti-vis
passarinhos de meu cerrado -
ensinando as mais luminosas melodias
e comugando com os seres minerais e vegetais
a existência de cada flor
de cada pedra silenciosa
de cada vida sutil
o milagre da criação.
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