O ÚLTIMO GRITO
O Ultimo Grito!
Carmo Vasconcelos
Hoje apetece-me gritar!
O tempo já se vai fazendo curto para soltar os meus ecos,
limitado para esvaziar tantos gestos recalcados,
exíguo para extravasar tanto amor,
urgente para toda me entregar.
Não tentem sufocar-me, senhores!
Não mais calarei os meus ardores.
Direi "amo-te" a quem amo, direi "quero-te" a quem quero,
beijarei a boca que me chama,
enlaçarei o corpo que me inflama.
Preguem-me os letreiros que quiserem!
Apelidem-me de tonta, idiota, ridícula, se preferirem,
estou-me nas tintas!
Recuso-me a vestir essa farpela,
não condiz com a genética da minha pele.
Já abortei muitos abraços, embalsamei o corpo,
deixei morrer à fome filhos-beijos,
congelei cios e desejos,
e matei, à nascença, inocentes palavras de amor.
Basta! Mais assassinatos, não!
Pouco me importam os epítetos!
Tenho as costas largas, um peito imenso,
dilatado de tantas emoções contidas.
Não posso protelar tudo para outra encarnação...
A minha alma está em fim de gestação;
placenta a rebentar de nados-mortos.
Sonhos que calei,
passos que não dei, amores que não vivi...
Corre-me nas veias um rio de desafectos.
Não me enjeitem os beijos, não me amarrem as mãos,
não me devolvam carícias,
não aceito devoluções!
Deitem no lixo se vos forem de sobra!
Haverá sempre os subalimentados que catarão delícias
nos contentores dos rejeitados.
Não me impeçam de gritar o amor
enquanto a matéria vibre e tenha sangue e tenha voz!
Porque o amanhã pode não passar de hoje,
e ser chegado o tempo de me levar de vós!
***
Lisboa/Portugal
Janeiro/2007
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