Sylvia Plath (traduções)

CANÇÃO MATINAL

O amor te fez funcionar como um gordo relógio de ouro.

A parteira bateu-lhe na sola dos pés, teu calvo choro

Encontrou teu lugar entre os elementos.

Nossas vozes ecoaram, tornando magnífica tua chegada.

Nova estátua. Num museu de ressentimento, tua nudez

Sombreou nossa segurança. Ficamos em volta, pálidos

Feito paredes. Não mais era tua mãe

Assim como a nuvem que destila o espelho que reflete

Seu lento desaparecimento nas garras do vento.

Toda noite, hálito de mariposa

Oscilando em meio as rosadas rosas. Desperto e ouço:

Um mar distante mexe com meus ouvidos.

Um lamento e despenco da cama, vaca gorda, florida

Em meu pijama vitoriano.

Abres a boca, imaculada como a de um gato. A moldura

Da janela empalidece engolindo foscas estrelas. Então

Procuras reter em tuas mãos as notas...

Conclusos os sons subindo, subindo feito balões de gás.

OS MENSAGEIROS

A voz dum caracol numa lâmina de grama?

Não, não é comigo. Não escuto.

Ácido acético numa lata lacrada?

Não, não é pra mim. Não me convence.

Um anel de ouro tendo nele o sol?

Mentiras. Mentiras e um incômodo.

Neve numa folha, o imaculado

Caldeirão, dizendo e crepitando

De si mesmo no topo de cada um

Dos nove negros Alpes.

Distúrbio em espelhos

O acinzentado mar estilhaçando...

Amor, amor, estação minha.

OVELHAS NA NÉVOA

As colinas somem na brancura.

Pessoas ou estrelas

Fitam-me com tristeza, desapontei-as.

O trem deixa um rastro de fôlego.

Lento cavalo cor de ferrugem

Telhados, sinos sentidos...

Toda manhã a manhã

Esteve escura

Flor esquecida.

Meus ossos enlaçam a calma, campos

Longínquos fundindo meu coração.

Ameaçam

Abandonar-me por um paraíso

Vazia de estrelas e órfã, água escura.

ESPELHO

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.

Tudo que vejo imediatamente devolvo

Exatamente tal qual é, sem amor ou desgosto.

Não sou cruel, apenas fiel –

O olho de um pequeno deus entre quatro quinas.

A maior parte do tempo medito na parede oposta

Que é rosada e salpicada. Tanto a tenho olhado

Que chego a pensar ser ela parte do que sou.

Mas a parede oscila, semblantes e negror

Separando-nos.

Agora sou um lago sobre o qual uma mulher

Está debruçada, buscando em meus limites

O que seja realmente. Então ela se volta

Para aqueles que mentem, às velas e à lua.

Vejo suas costas, e reflito-as fielmente.

Ela me recompensa com lágrimas, agitando

As mãos. Sou importante para ela. Ela vem

E vai. Cada manhã sua face repõe a escuridão.

Em mim afogou a mulher uma menina

Em mim afogou uma velha, emergindo dela

Dia após dia, feito um peixe terrível.

O ASPIRANTE

Antes de tudo, você é quem procuramos?

Você usa

Olho de vidro, dentadura ou muletas

Braço mecânico ou gancho

Seios falsos ou pernas de borracha

Vamos, mostre-nos o que não tem! Não?

Então como podemos lhe dar algo?

Pare de chorar.

Abra sua mão.

Vazia? Vazia. Cá está uma mão

Para encher e servir

Para trazer xícaras e afastar enxaquecas

E tudo o mais que desejar.

Vai querê-la?

Garante-se

Como polegar para cerrar ao fim os olhos

E como dissolvente de tristezas.

Temos outras novidades no estoque.

Noto que está nu até os ossos.

Que tal este traje –

Preto e teso, mas não é tão mau.

Vai levá-lo?

É a prova d’água, de trincas, resiste

Ao fogo e às bombas caindo do telhado.

Pode acreditar... irão sepultá-lo dentro dele.

Perdoe-me, mas agora sua cabeça está oca.

Tenho um passe para isso.

Venha cá, doçura, fora do armário.

E então, que acha disso?

Como papel em branco no início

Mas em vinte cinco anos será prata

E ouro em cinqüenta.

Uma boneca viva, onde quer que vá.

Sabe costurar, sabe cozinhar

Sabe falar, falar, falar

E trabalha, funciona muito bem.

Se tiver um buraco, serve como tampão.

Se tiver um olho, serve como visão.

Garoto, é sua última chance.

Vai levá-la, levá-la, levá-la.

SENHORA LÁZARO

Fiz de novo.

Um ano em cada dez

Eu faço assim

Um tipo de milagre andarilho

Minha pele luzindo feito tela nazista

Meu pé direito

Um peso para papéis

Minha face inexpressiva, bela

Judia silhueta.

Tire o avental

Inimigo meu.

Não sou de arrepiar?

O nariz, a cova dos olhos, o conjunto todo

Dos dentes?

O hálito amargo

Sumirá em um dia.

Logo, logo a carne

Pela cova fechada comida será

Em casa em mim

Eu, mulher sorridente.

Tenho só trinta anos.

E, como os gatos

Nove vidas devo morrer.

Esta é a terceira

Quanto lixo há

A aniquilar a cada década.

Quantos milhões de filamentos.

A multidão estrepitosa

Afasta-se para admirar

Atam-me de mãos e pés...

A grande auto exposição.

Senhoras e senhores

Eis minhas mãos

E aqui, meus joelhos.

Posso ser apenas pele e ossos

Não importa, sou a mesma, mulher mesma.

Da primeira vez eu tinha dez anos.

Foi um acidente.

Da segunda vez pensei

Que fosse a última.

Fechei-me toda

Como uma ostra.

Chamaram e chamaram

E recolheram meus vermes

Pérolas esticadas.

Morrer

É uma arte, como tudo.

Faço-o muito bem.

Faço-o, e sinto-me mal

Faço-o, e sinto que é real.

Aposto que dirá que gritei.

É fácil quando se está preso.

É fácil gritar e lá continuar.

É o teatral

Retorno ao longo dia

Ao mesmo local e rosto, ao mesmo rude

E divertido berro:

“Milagre!”

Isso me deprime.

Há uma carga

Em verem-me as cicatrizes, há um peso

Em ouvirem-me o coração...

Isso realmente ocorre.

E há uma carga, uma carga enorme

Em alguma palavra ou toque

Ou nalgum pouco de sangue

Ou num fio do meu cabelo

Ou num farrapo da minha roupa.

Portanto, Herr Doktor.

Então, Herr Inimigo.

Sou sua obra

Sua preciosidade

O bebê de puro ouro

Que derrete num grito.

Torno-me e queimo.

Não pense que subestimo seu grande interesse

Cinza, cinza...

Você atiça e a remove.

Carne, ossos, não há nada lá...

Um bolo de sopa

Um anel de noivado

Engaste dourado.

Herr Deus, Herr Lúcifer

Cuidado

Cuidado.

Saindo das cinzas

Ergo-me com ruivos cabelos

E devoro homens feito ar.

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 20/07/2011
Reeditado em 14/09/2011
Código do texto: T3106784
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