Maria Maré
Maria Maré
Maria da Graça Almeida
Entardecida, Maria Maré,
plantada no chão, firmada na fé,
trazia o pé fincado na areia,
a impedir a maré de cheias mais cheias.
Nos olhos brilhantes, duas luas inteiras,
no peito maduro, a vontade e meia:
- Que Deus me acate, atenda e acuda,
só hoje e sempre lhe peço a ajuda!
E Deus, que lhe dava a boa mãozinha,
nunca a deixava na praia sozinha,
com todo cuidado, zelo ou desvelo,
trazia-lhe a água só pelo joelho.
Até que um dia, Maria folgou
e bem nesse dia a Deus não rezou!
Maria, a lua, fitou nesse instante
e o mar se achegou, então, ondulante,
Com força, as ondas se avolumaram,
bravas e impunes mais espumaram,
líquidas línguas lamberam o solo,
querendo deitar, de Maria, no colo.
Rugindo, o mar galgou-lhe as pernas
e pôs-se alargado em gotas eternas,
incauto, molhou-lhe o xale, a saia,
subindo às casas e ruas da praia.
Hoje, as águas, de vez soberanas,
abundam com os pingos que ainda emanam
da estátua de sal que chora saudade,
compadecida da antiga cidade.
A lua no céu sorri zombeteira
e exalta o dia em que, sorrateira,
enlevando Maria, distraiu-lhe a fé,
fazendo perpétua a cheia maré.