Como diria Edmir...
“Conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho.”
(Edmir Domingues - Universo Fechado, pág. 366 -
Soneto VI da Coroa de Sonetos
“Com o estranho pulsar da estrela morta”.)
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Se paro e penso, não sei definir
o que atormenta a mente, o que me faz
seguir adiante e não voltar atrás,
o que faz levantar e prosseguir,
se não encontro a meta aonde ir,
se não recordo mais de onde venho.
O que me faz viver com tanto empenho
é meu futuro, e não o meu passado.
Conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho.
Não sei se tenho a arte ou só o engenho,
ou se nenhum dos dois me contemplou,
não sei. A lida é dura, é alto o vôo,
e eu não posso parar, franzir o cenho
e me inquirir pra ver de onde venho;
ainda assim, me vejo desolado:
conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho,
o que me faz levar pesado lenho
e não saber por quê. É triste o fado.
E, se este fado é triste, por seu lado,
o ser inquiridor que me domina
anima o meu viver e mostra a mim,
na minha lucidez, o meu passado;
conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho,
eu sei agora. Com tamanho empenho,
eu descobri um pouco de mim mesmo
e não me permiti zanzar a esmo;
agora eu sei o mato em que me embrenho.
Ainda vou saber de onde venho,
ainda vou voltar ao meu passado.
Conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho.
O meu passado é turvo mas não tem
o breu da escuridão desconhecida;
a luz que vejo é fraca, mas a vida
há de me dar o rumo ao meu futuro;
encontrarei, por fim, o que procuro,
encontrarei a paz já esquecida.
Conserva-me entre atônito e calado
o não saber quem sou, o que é que tenho,
o que serei, porém o meu empenho
é bem maior que todo o meu passado
oculto em névoa. Quero tomar já
do meu licor da vida que inventei;
deixei de ser vassalo; eu sou um rei,
eu viverei a vida com amor.
Esqueço o meu passado, esqueço a dor,
esqueço o que é que sou e que não sei.