UM POEMA MEIO DO ALÉM...

Quando vir a noite, eu meio perdido, sem nada a fazer,

quero um pássaro noturno a sobrevoar a minha janela;

feito uma alma penada, querendo reza, pedindo prece.

Quero assim: igual alguém batendo, feito um chamado,

e eu na mudez da alta noite, me fingindo outro morto,

aqui dentro, no conforto das sombras, asilado da vida!

Qual poeta, outro louco, cantaria em verso ou prosa a

visita de uma alma já sem seu corpo na própria porta?

Quem adoraria outro ser na sombra fosca e na poesia

eternizaria esta visita? - Eu, também vindo de outras

épocas, outros campos e de outros santos, além disso,

meio eterno, de outro inverno; sei nos daremos bem!

Não pensem que vou tremer com seu grasnido, nem

que aclararei o escuro que eu adoro e que sou parte;

Sou da noite, também tenho a alma daquele pássaro,

que com insistência de um louco fica a observar-me,

e eu imóvel e contemplativo passo a ser parte do que

para outros seria desdita, mas para mim tão natural!

Nem sei bem o padre nosso ou uma salve rainha, nem

sei também se quero rezar; quem sabe orando aquele

pássaro voando sumiria e me restaria apenas o vazio.

Quero ele implorando igual aos feios de rosto a rogar

beleza; de ouvidos moucos finjo nem lhe dar atenção.

Coitado! É mesmo uma alma penada ainda penando!

Nas trevas da noite o que era para ser assustador

deixa-me arrebatado. Assim o miserável pássaro

terá que encontrar noutra casa outro ser que lhe

atenda a penúria de oração; porque eu, na minha

condição de louco quero ser é seu parceiro, quero

numa noite ser ave noturna a bicar nas vidraças...

Nem que seja para ser ignorado, que outro me deixe

perdido a bater asas em vão, mas que seja uma alma

competente e na mais pesada das noites que o vento

maldito repita ao longe meus ais, e nada me distraia

da minha sina de visitante maldito, nem que seja um

grito nas noites almejo tirar dos insones incrédulos...

Talvez esta psicopatia de poeta, seja a solidão e a dor

e eu deva ser expiatório, tenha de ser tolerante a mais

bizarra das cenas e tenha que ser parte desta magnífica

feiúra noturna que me encanta, e este rejeitado pássaro

seja parte deste enredo imperfeito que me prende todo;

Talvez eu me consuma nesta delinqüência deslumbrada!

Talvez este pássaro seja os descartados pela perfeição

mundana, talvez se debruce no parapeito e se entrega

aos castigos pelos seus malfazejos, quem sabe a utopia

da madrugada não me arranque o fôlego ou me roube as

palavras, quem sabe este poema já não tenha sido escrito

e outro no amanhã o reconte, ainda que de forma inédita!

IVAN CORRÊA
Enviado por IVAN CORRÊA em 07/07/2011
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