NOVE POEMETOS (E UM SONETO) PARA EU PENSAR NO QUE NÃO ESCREVER
- I -
beijei a imagem do sapo doente
(que se transformou
magicamente
num principesco poema carente
de médicos e hospitais)
- II -
graúna fincou no telhado
trinou aguçado assovio
- grave e agourado -
gelado prenúncio
d’um poema apressado
- III -
eis um toque ao avesso de Midas:
às palavras improferidas
se ditas, viram merda
- IV -
jamais sei aonde colocar
vírgulas
pontos
e cotovelos
- V -
ah, mas um poema
um poema é outra coisa...
vira essa coisa doída
que pousa nos olhos
e me abre um desnorte
com uns movimentos
de mosca doida...
- VI -
o amor morreu
modorramente
morreu sem cor, sem viço
escafedeu-se sinceramente...
nada mais a acrescentar:
ao contrário da franqueza
a honestidade é apoética
- VII -
sigo os bons descaminhos
os completos nonsenses de sentido
sigo firme rumo ao buraco retorcido,
estripado, pelancudo
do cavado do meu umbigo
sigo consumido.
sigo enfartado. farto
de não ser poeta
apesar de tudo, sigo.
(todo fodido)
- VIII -
no solo dos meus dias crescem ervas daninhas
de subtrair poesias de pequeninas pedras rachadas...
- IX -
tudo o que gostaria de escrever
Quintana já o fez...
resta-me queimar a cachola
para ser menos “eu mesmo”
de quando em vez
(e escrever algo como “ninguém”)
- X -
SONETO TÃO QUEBRADO QUANTO MEDIÚNICO
uma música queima
o contorno das ricas rimas
ausentes neste poema
tal fosse praga minha...
que, cínico, chora as cordas,
ao longe, o velho Stradivarius
anímico, sobre as hordas
d’uns versos doidivanas vários
ah, aos meus micos, bananas!
esse som afetado e raso, caduco,
no tom atoleimado de roer prepúcio...
mesmo se rompa o fonograma:
seja ele ruim, podre ou translúcido
decerto é meu lado mediúnico