Exílio no inferno vertical

Mesmo que amanhã chova,

e que a avenida inundada se pareça

com um desses rios poéticos qualquer,

nada vai mudar a condição oscilante

do anônimo elemento chamado fulano.

Este que de sua terra natal distante,

se lembra apenas da terra descoberta

e de animais de fazenda sem graça.

Não menos sem graça que as poodles bem vestidas

chamadas Tiffany e Heather.

Essas cadelas que se embrenham com seus saltos altos

pelas vielas para que paquidermes admiradores,

contemplando do alto da torre de vidro,

pensem consigo:

"Quando colocarei minha mãos alí?"

O rio de asfalto por onde escoa

todo o péssimo humor e punhaladas pelas costas,

às vezes parece mesmo ter vida.

Isso quando uma criança imunda

se debate contra o vidro do carro

para não ser mais um esfomeado.

Maldita a janela que me faz perceber

os fulanos que vem e vão.

Sutis piadas de si próprios,

tentando dizer a este mundo impermeabilizado,

que viver vale a pena, mesmo que para isso,

as pessoas não se reproduzam. E sim, se alastrem.

Mesmo que a miséria no fim de tudo,

sirva para uma exposição de fotos em preto e branco.

Mesmo que o amor transformado em pulsos elétricos,

agora se reduza a uma masturbação sobre o teclado.

Aqui do trigésimo andar,

observando a placa com o compasso e a letra G,

sinto um nojo absoluto do ócio,

desta corredeira de esgoto e poucas memórias.

Mas vomitar não cessa a pena horrenda,

de não saber onde tudo isso vai dar.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 02/12/2006
Código do texto: T307743