Exílio no inferno vertical
Mesmo que amanhã chova,
e que a avenida inundada se pareça
com um desses rios poéticos qualquer,
nada vai mudar a condição oscilante
do anônimo elemento chamado fulano.
Este que de sua terra natal distante,
se lembra apenas da terra descoberta
e de animais de fazenda sem graça.
Não menos sem graça que as poodles bem vestidas
chamadas Tiffany e Heather.
Essas cadelas que se embrenham com seus saltos altos
pelas vielas para que paquidermes admiradores,
contemplando do alto da torre de vidro,
pensem consigo:
"Quando colocarei minha mãos alí?"
O rio de asfalto por onde escoa
todo o péssimo humor e punhaladas pelas costas,
às vezes parece mesmo ter vida.
Isso quando uma criança imunda
se debate contra o vidro do carro
para não ser mais um esfomeado.
Maldita a janela que me faz perceber
os fulanos que vem e vão.
Sutis piadas de si próprios,
tentando dizer a este mundo impermeabilizado,
que viver vale a pena, mesmo que para isso,
as pessoas não se reproduzam. E sim, se alastrem.
Mesmo que a miséria no fim de tudo,
sirva para uma exposição de fotos em preto e branco.
Mesmo que o amor transformado em pulsos elétricos,
agora se reduza a uma masturbação sobre o teclado.
Aqui do trigésimo andar,
observando a placa com o compasso e a letra G,
sinto um nojo absoluto do ócio,
desta corredeira de esgoto e poucas memórias.
Mas vomitar não cessa a pena horrenda,
de não saber onde tudo isso vai dar.