Anjos Feridos

Vi nos teus olhos a inocência,

E a carência,

Assim como um violento olhar.

Senti na tua voz a dor,

A rouquidão de um ofegante apelo,

Assim como a pureza

Dessa inconsciente gargalhada.

Sofri ao te ver correr

Daqueles que deveriam te proteger.

Teu passo foi se limitando.

Teu semblante, cansando.

Estavas acuado!

E te negaram um afago.

E te negaram a piedade

Por seres inocente.

Anjo, por que nascer?

O céu não te agradava?

Ao contemplares as estrelas,

Quando deitas na calçada

Coberto pelo sereno

E adormecido pela fome,

Não sentes falta da liberdade?

É tarde! Sonha, criança...

Dorme ao som do silêncio.

Aquece-te com estas folhas de jornal,

Onde informam, em artigo especial,

Que as crianças saíram das ruas.

A noite demora para passar...

A alma do pequeno quer sair,

Mas teme deixar o corpo

E não encontrá-lo mais.

O sol desponta num cantinho do céu.

E então, sobre a cama de papel,

O rosto recebe um calorzinho.

Acorda, Anjinho!

O moço quer abrir a loja

E ganhar dinheiro.

Levanta! O povo está acordado!

Vai! Vai pedir um trocado

P’ra tomar um refrigerante

E divagar por um instante

Que o teu futuro pode mudar,

Pois não queres roubar...

Publicado originalmente em: RODRIGUES, Tony R. M. Lágrimas Lapidadas. Florianópolis: ed. do autor, 1998. p. 36-37.