VERDE SAUDADE
Ah, se fosse possível
Desfazer as grandes avenidas,
Derrubar os prédios, as lojas, os corredores,
Resgatar as casas de fachadas brancas,
Os portões baixinhos, a conversa com vizinhos,
A rotina de varrer calçadas e regar plantas,
A algazarra das famílias nos quintais,
Tartarugas, cães, gatos, cruanças correndo,
Ninhos de passarinhos nos telhados...
Passear sob jequitibás, alfeneiros, manacás,
Cuidar de não escorregar
No tapete de flores violáceas,
Brincar entre pinheiros agrupados,
Canteiros de hortênsias azuis,
Plantar roseiras nos jardins,
Colhê-las para os vasos da sala,
Antúrios rubros nas floreiras
Junto a margaridas miudinhas...
Ah, quem dera eu pudesse
Repintar este tempo de verde
No bairro que engastou meu coração
E deitou seiva em minhas veias.
Enchê-lo de verdura como outrora,
Eucaliptos saunando as manhãs,
Sempre úmidas e brumosas,
Musgo e limo sobre raízes expostas...
Esperança no abrir das janelas,
No olhar de brilho verde,
Nos passos ganhando o chão.
Como era bom!
Saunar: licença poética, neologismo da autora.
Foto: grande avenida do meu bairro, onde sobrevive, espremido entre o trânsito, um exemplar de Ficus elastica com mais de 70 anos, que a PMSP cogita retirar...