HERMANOS E GUERREIROS
Sepé Tiaraju, chefe gurani, herói da resistência nos Sete Povos das Missões
Interação poética com o poema LOS HERMANOS
do argentino Atahualpa Yupanqui
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
En el valle, la montaña,
en la pampa y en el mar.
Tantos irmãos tenho eu
perdidos na imensidão
por isso meu peito se aperta
quando de mim se acerca
o rosto do povo marcado
na face sofrida do irmão
Ficaram em velhos telhados
as águas de chuvas antigas
restaram somente lembranças
de noites de junho tão frias
de mãos em apertos ternos
e olhos em desconcerto
Em noites de luna plena
canta a voz de minha mãe
uma melodia tão llena
E desses longínquos invernos
me vêm tantas vozes tão várias
de todos os perdidos irmãos
vejo o sangue das batalhas
as lágrimas de tantas mulheres
pelo pampa ecoam os gritos
de Sepé, de Garibaldi,
negros lanceiros de Porongos
nos campos o índio gaudério
liberdade , força e mito
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
Gente de mano caliente
por eso de la amistad,
Con uno lloro, pa llorarlo,
con un rezo pa rezar.
Eu tenho tantos irmãos
que sequer eu conheci
mas estavam todos no mundo
e só digo do que eu vi
mas sei de noites em claro
de rezas e sentidos choros
de velas acesas, olhos em prece
sei das angústias de noites mudas
do espanto diante da morte
sei de tanto, e ainda assim
sei tão pouco de tantos irmãos
que neste mundo persistem
teimosos buscando um norte!
Y así nos reconocemos
por el lejano mirar,
por la copla que mordemos,
semilla de inmensidad
Quando os vi tão resolutos
jovens, velhos, passos firmes
frágeis e fortes, destemidos
minh'alma assim festejou
e a rua jamais foi a mesma
porque nela o brado mudo
peito aberto, sem escudo
se ouviu tão alto a ecoar
pelos campos, pelas cidades
a semente da liberdade
sem medo souberam plantar
Eu tenho tantos irmãos
em todo rosto ele está
em toda mão estendida
nas cantigas de crianças
na vida que nunca se cansa
de novamente acordar
Eu tenho tantos irmãos
os que amam
e os que estranham
somos todos uma só gente
e mesmo no gesto inclemente
encontro um grito humano
Olhando este céu tão sereno
meu pensamento clareia
e sei que não foi em vão
tanta luta, tanta peleia
"ontem livres, fortes, bravos"
"povo que não tem virtude
acaba por ser escravo"
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar,
y una novia muy hermosa
que se llama ¡Libertad
Anita Garibaldi, heroína
da Revolução Farroupilha
BIOGRAFIA DE UM "HERMANO"
Nascido em um dos aldeamentos jesuíticos dos Sete Povos das Missões, foi batizado com o nome latino cristão de Joseph. Bom combatente e estrategista, tornou-se líder das milícias indígenas que atuaram contra as tropas luso-brasileira e espanhola na chamada Guerra Guaranítica.
Tal conflito inscreve-se no contexto histórico das demarcações decorrentes da assinatura do Tratado de Madrid (1750), que exigiu a retirada da população guarani aldeada pelos missionários jesuítas do território que ocupava, havia cerca de 150 anos. A posse da região ainda seria objeto do Tratado de Santo Ildefonso (1777) e do Tratado de Badajoz (1801).
Viviam na região dos Sete Povos das Missões aproximadamente trinta mil guaranis. Somando-se os do Paraguai e da Argentina, alcançaram um total estimado de oitenta mil indígenas evangelizados, que habitavam em aldeias planejadas, organizadas e conduzidas como verdadeiras cidades. O interesse luso-brasileiro por esta extensa região deveu-se, além da posse territorial, ao gigantesco rebanho de gado, o maior das Américas, mantido por esses mesmos indígenas.
Pereceu em combate contra o exército espanhol na batalha de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, na entrada da cidade de São Gabriel, durante a invasão das forças inimigas às aldeias dos Sete Povos. Após sua morte pereceram aproximadamente 1.500 guaranis diante das armas luso-brasileiras e espanholas.
Por seu feito, chegando a ser considerado um santo popular, virou personagem lendário do Rio Grande do Sul, e sua memória ficou registrada na literatura por Basílio da Gama no poema épico O Uraguay (1769) e por Érico Veríssimo no romanceO Tempo e o Vento. É-lhe atribuída a exclamação: "Esta terra tem dono!".
No dia 21 de setembro de 2009, foi publicada a Lei Federal 12.032/09, que traz em seu artigo 1º o texto "Em comemoração aos 250 (duzentos e cinquenta) anos da morte de Sepé Tiaraju, será inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, o nome de José Tiaraju, o Sepé Tiaraju, herói guarani missioneiro rio-grandense."
Cabe ressaltar que não é considerado santo pela Igreja Católica, sendo santo popular uma expressão apenas de sua fama.
Como homenagem ao heroísmo e à coragem de Sepé Tiaraju, a rodovia RS-344 recebeu o seu nome.
Existe também no Rio Grande do Sul o município de São Sepé, nome que reflete a devoção popular pelo herói indígena.