A ÁGUA DA FONTE E O MORNO BANHO DE BACIA

em minha frente,

um eu triste,

- com rosto de triste passado –

desumano,

questiona-me e tortura-me:

tenho a barba aparada e o bigode bem quadrado,

apesar da impaciência descuidada da aparecia;

meu rosto está mais farto e a minha expressão mais feliz,

sem culpa! Dá prazer lambuzar-me em babas-de-moça.

insistentemente, em minha frente,

um eu persiste,

- com rosto do ido passado –

intransigente,

olha-me e interroga-me:

tenho o mesmo jeito novo de quando nem parecia

aparentar as inconseqüências normais da idade;

minhas pernas estão mais curtas, mas o andar dá saltos,

desculpa? Se fui ágil ao levantar da cama num só pulo.

irritantemente, em minha frente,

um eu aparente,

- com rosto de passado ausente –

da cabeça aos pés

mede-me e acrescenta-me:

tenho no salvo-conduto o carimbo datado a tempo,

apesar das veias vivas na pele da maturidade;

meus gestos são lentos, sem artrite ou dores reumáticas,

sou gasto pouco. Perdoa? Não ter ainda ossos rachados.

inevitavelmente, em minha frente,

um eu transparente

- com rosto de passado enrugado –

dos porões às prateleiras

habita-me e rejuvenesce-me:

tenho alma leve e nenhuma grama de maldade ou inveja,

apesar dos arrependimentos mornos pela vida temperada;

remoço a cada galo que bate no peito da madrugada, a cada despertar

rançoso, acordo aceso. Vivo! Sou a juventude da água fria na bacia.