Poema não para mim

No peito do egoísta

germina também o ciúme

como uma dor futurista

por um passado que o une

a algo entre o presente

qu´ele não vive, infeliz,

e o presente que não quis

demonstrar externamente.

Cai o Caim num abismo:

não há Abel que lhe baste,

nem deserto que o afaste

de cultivar egoísmo.

Mas como é o egoísta?

É parte ou contém o homem

que se mantém ´quilibrista

pra que seus pés não o roubem?

O egoísta no espelho

vê a si ou transfere

para si algo velho

que o renova e o fere?

O egoísta, sentado,

lendo os novos e-mails

sente-se homem ou meio

no que não é convidado?

O orkut do egoísta,

quando o tem atualizado?

É de fakes a sua lista

de nomes não contatados?

O egoísta, em família,

dorme de olho aberto

buscando-se mais esperto

ao sonhar-se uma ilha?

O egoísta, que é

para o Antônio, a Maria,

o Raimundo, o José

que o veem todo dia?

É o mesmo egoísta

de sábado a domingo,

em paz ou no choromingo,

de mesma vidinha egoísta?

Dessa vidinha que muda

só por força do destino

e, a despeito do egoísmo,

ao egoísta desnuda?

Que faz o tal egoísta

diante da ex-amada

que agora por um surfista

demonstra-se apaixonada?

Perguntas que giram em torno

de uma cabeça egoísta

com medo que nasçam cornos

onde não vingam outras vistas.

Já vai tarde o egoísta,

ex da ex - não da amada,

que esta não disse nada:

quem flertou foi o surfista...

Talvez que o egoísta,

cansado de sede e aço

decidiu ser artista

e tornou-se palhaço,

acusado como golpista

de um amor em pedaço

que ainda lhe causa embaraço

no abraço que o reconquista.

O coração do egoísta

é posto numa bandeja

que o leva aonde ele insista,

que o traz mas o não deseja.

O egoísta que fala

sempre em primeira pessoa,

quando em segundo se cala

se irrita e se atordoa,

mas é dado ao egoísta

terceira chance em pessoa:

A vida! Que o traz à pista,

longe de mágoa que o moa.

No peito de um egoísta

germina também o ciúme

mas isso já é vago lume

na linha do equilibrista.

Egoísta... uma, entre tantas

possíveis adjetivações

que dá corda aos corações

ou ao nó das gargantas.

O poema egoísta, em fim,

é amontoado infecundo

que não acrescenta ao mundo

o que só aquecer em mim.

Mas o amor na dor nos tece

o bem ao egóico tão bem

que a melancolia se esquece

e desfaz-se o mal. Amém.