O Caminhante

tinha na mão um pequeno livro

breviário de orações,hinos

carregava vários sacos de plástico

cada saco um mundo,

cada mundo um apocalipse

por onde já tinha andado?

seu rosto crestado de sol

de poeira de chuva

erodido em infinitos sulcos

seu rosto era uma paisagem

vincado fundo pelo tempó passante

esse rosto era mil veredas

no fundo das órbitas habitavam olhos antigos

dois dragões de fogo

olhavam de dentro do mistério

não se sabia se falava

ou cantava.Expirava sons primevos

com musicalidade inaudita

não sabia se era comigo que contava

nas vezes que seus olhos não me alcançaram

seu corpo era uma narrativa

sem começo nem fim

contava de estradas distâncias cantos

de tempos abundantes e de tempos

de miséria,vícios bizarros,prazeres obscenos

cortando o espaço resoluto

sacudia na sua passagem

velhas idéias e novas histórias

recordações completamente mentirosas

causos sem solução ou incompletos

parecia um discurso sobre todos nós

alguma coisa que ainda não tivesse vivido?

difícil.Da dúvida de Cristo ao fogo do napalm

das torturas das ditaduras subterrâneas

ao arroto do mais recente ditador

dos sorrisos tetânicos dos shoppings

das nádegas abundantes no programa de domingo

da esperança do militante ao sarcasmo do mendigo

das crianças paridas tipo exportação

alguma coisa que ainda não tivesse deixado para trás?

há muito não o vejo.Por vezes

me visita num sonho banal

me acena de dentro de um ônibus fretado

me sorri segurando o microfone da globo

sinaliza de dentro do imprevisto

minhas insignificâncias