Pagãos I
Não, eu não aceito que meu verso seja queixume
Mas um fino e afiado punhal de azedume
Que no meu cérebro se afunde
E que nos neurônios cause um mal tamanho
Uma chaga fatal aprofunde
E que o sumo da inteligência
Seja a palavra que confunde
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Uma mulher de costas sombrias
Cava o chão da própria vida
Não nota o silêncio do deserto à sua volta
Não vê o abutre que se acerca
Fere os dedos na pedra morta
Rega o solo ensanguentando-o
No fundo da terra escavoucada
Encontra uma boca sorrindo
A mulher se entala
Que boca era aquela de que se esquecera
Que boca é esta que lhe fala
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Impossível contestar, “todas as cartas de amor são ridículas”
Constrangedoras, e mereceriam ser queimadas
Todas as cartas de amor são feridas abertas
Pingos do mar, no navio, sobre a coberta
Vela em frangalhos, pendurada no mastro
Cartas de amor são espantalhos
São contundentes documentos
De demonstrações e de gestos
Da lividez dos pensamentos
Cartas de amor são como aves de rapina
Lindas, nas alturas
Perigosas, na ravina