ASSIM SE FEZ
Doce lar mostraram às alturas:
a beleza era o símbolo da inversão.
Seu corpo amadureceu,
as ideias se esvaíram.
E assim se fez.
Era noite e dia. A vida era expressão
maior. Passaram-se os dias, as
ideias de velhas apodreceram a cabeça
do homem, que criou a separação.
A luz sobra e falta terra,
cantando a vida que a alimentou
(crise na ilusão de tentativa comum).
As lágrimas do telão social
umedecem os olhos e acendem
a fogueira da procissão,
iluminando a trilha do funeral.
Assim se fez o último dia do
começo, o berço da superfície eternal.
O ouro formou o caminho das
cabeças e os pés criam calos
e lhes falta chão.
Aleluias de fome enchem templos
e os dentes fogem contra a
presa da corrente,
enquanto os entes circundam
os ossos e baratas perfuram as
carcaças com vermes e moscas,
pelo templo da ilusão.
A festa tem homens e vermes
como guardiões da porta
que se revesam e se confundem
e se fundem num só corpo,
criando cerca e perdendo o ser
com um largo sorriso dominical.
Da tenda do milagre cai um
dente que conduz a arca
entre sonhos e excrementos,
rolando no despenhadeiro
como em vôo acasalador.
Sem dó os ratos campeiam
pelas entranhas da luz
e os becos que escondem a noite
se iluminam. Se faz dia.
Era noite ainda quando a manhã
chegou num passo só.
Os ratos apareceram na
manhã com seus dentes serrados
e a flor boêmia esconde-se
dos risos sarcásticos dos urubus,
que queriam-na carne, morta
sonhando com a democracia social
na partilha da alimentação,
onde ela se fazia mesa farta:
comiam-na viva pelo cheiro morto
da inanição, num encontro eternal
de sol e lua cheia.
O dia se fez nas correntes de um
rio paroquial. Havia fome e ilusão.
O rio se fez vida.
Caíram os pés e as mãos
e o vento levou o corpo num sopro
de sublimidade infantil,
sorrindo com curvas e choques.
Já era noite e surgiram os degraus
de pedras à batalha do juízo,
com uma névoa-soma sobre
cabeças e densas trevas botaram
traves nos olhos da mente
que distante ouvia o som da tarde,
era noite e dia.
Era noite e dias comuns anunciavam
a repetição. Os vermes se faziam
ratos e roíam os ossos do
homem além da eternidade.
Os homens eram feitos de sombra
para os homens que viravam ratos,
comiam vermes e cresciam os dentes
para além da putrefação.
A glória se fez, a um passo da eternidade.
Era o último dia do fim
superfinalista do princípio mortal.
Os pássaros perdiam asas, ficavam mudos
e viravam homens, que cavavam o chão;
prendiam peixes e se faziam restos para
alimentar a socialização dos degraus.
Era noite e dia e o homem
cambaleava pelas retas trilhas
da imovibilidade do senso, já é hora.
E a flor de gasta não exala as
peripécias do cio, e o calor
sufoca a linha de sensação
comum, qual pedra
rindo da cama clemente do berço de
outrora, de bom, a descansar eternamente.
Os vermes se entrelaçam ao
pescoço dos ratos que brincam
nas carcaças já úmidas das moscas.
Era o último dia pra sempre,
com o olho do homem roendo
os ossos do rato num pouso
sublime da transformação.
As ideias viraram pedra e as
tendas se prostituíram. Assim se fez.
Era o fim do berço
que criou lastro e abrigou as
tábuas da santificação.
E todos riram do dia.
Estava claro e a dor era de vidro
guardando moscas que voavam
em redomas de criação lunática
com terra na tenra vista, a olho nu.
Assim se fez o início do fim,
o germen no verme que proliferou
cabeças, e fez história, e criou asas;
morou em carcaças, e se alimentou de
lama, e vendeu deus às cobras;
matou a flor e a fez espelho vivo:
e o fez de cobertor.
Se fez dia e a flor se escondeu
nas máscaras da criação para se
alimentar. Faltou luz.
O caminho entrevado criou a separação:
E assim se fez.
(poema que deu título ao livro lançado em 2002)