Quando o casamento fiapa.

Quando o casamento encarde, arde, arde,

fica ápero, vira insosso, perde o fio, perde o pavio,

perde o cio.

Quando o casamento já vai tarde,

absolve o alarde,

despenca sem aviso, perde o gosto, perde a cor, pede a dor,

pede a dor.

Quando o casamento vira unguento, vira cão sarnento,

se torna gosmento, quase nojento,

não reconhece mais o afago do vento,

nem de qualquer outro sentimento,

vira teia, vira cara feia,

vira corpo sem sombra, arranjo desafinado, finado,

aguado.

Quando o casamento esquece suas preces,

rasga a roupa, mistura o que não devia, arrepia,

esquece o que dividia,

fica só mesquinharia.

Quando o casamento vira fruto que amadurece e esquece de cair do pé,

vira carta fora do baralho,

destoa toda vida, fica sem ar,

não tem mais nem o que mendigar,

nem pra quem orar.

Quando o casamento começa a arranhar, a gritar,

a se auto-dissecar,

enferruja suas veias, encalha seu sangue, estingue sua alma,

estilinga sua calma, descamba pro nada,

pro nada.

Quando o casamento afoga suas folias, suas estrepolias,

tantas manias, tantas alegrias,

desparafusa suas membranas, fica órfão de si mesmo.

Chora.

Padece de ser somente um barco na deriva de um sonho triste,

vira o que não quer, o que não der, o que puder,

vira um garfo no lugar da colher.

Vira um buraco que a gente não enxerga, até a hora de cair nele,

torna o que era bom um fardo nada escasso,

traz à tona o ruim na forma de maço.

Quando o casamento joga a toalha,

com prazer o prazer esmigalha,

vira um traste que só empaca, só retalha,

transforma todas suas flores na própria mortalha.

Quando o casamento amotina sua pele, esfola seus desejos,

aborta cada agrado que tentar colocar pra fora,

vira um amargo engolir que nunca acaba,

não ata nem desata,

desacata a paz,

aqui jaz.

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