Lirismo de Caridade

Estou escondido amigos

Digo-lhes

Escondido!

Não vivo de verdade

Aquilo que em verdade

Vos digo!

Os Josés de quem falo por aí?

Não os conheço,

Mal os vejo.

Aprendi efetivamente.

Efetivamente!

A sombra?

Não vejo

A esquina, as vielas, o beco?

Por eles não passei.

Senti medo, amigos, medo!

Quando menino, abri meu livro de ciências

Vi uma figura de bactérias

Invisíveis, dizia o livro.

Senti medo

Lavei as mãos

Lavo as minhas mãos até hoje!

Mas onde estão as bactérias?

Por que sempre um José?

Não posso falar de um Carlos?

Por que o dono das mazelas

Das desgraças

Das boca de fome

Das mãos que pedem

Das mãos que tremem

Dos olhos que choram

Choram?

Imploram!

Nessa poesia aqui

Não pode ser um

Fernando?

Que tal um Manuel?

Tantos Manés existem aí

Para falar de miséria.

Mas para falar de verdade

Nunca um Manuel.

Que tal um Mário?

O mero Mário!

Não,

Sempre o José.

O inimigo?

Um sujeito indefinido

Eles!

Eles isso

Eles aquilo

O artigo definido?

Um substantivo abstrato.

A culpa?

Nós, no mais reluzente plural

Por que falha-nos a coragem

De assumir o singular.

A singularidade?

Enes

A pluralidade?

Egos

José nunca leu este poema

E morreu de fome

O poema não salvará a sua mesa

Nem a sua alma.

Mas podia ser um Fernando

Ou não podia ser ninguém.

O poema

De nada serve.

Estou escondido

Debaixo de minha mesa

Com um lápis firme

E uma mente que fala da desgraça

Sem sair de minha casa.

O que nos mata não é a morte!

É a dor de ver uma árvore frondosa

No meio de tanta seca crueldade!

E o lírico vício de omitir

Com a plena bela subjetividade!

O que vi ao final?

Um balão que passou errante

Por aí

Lembrando-me daquelas vozes,

Daquele tempo

Que nunca voltará.