Passava das oito e chovia.
Passava das oito e chovia.
Gato miando de longe, vento frio de perto,
saudade.
Não daquelas que fazem parir o mundo,
mas uma saudade de fundo de tacho,
matreira, menina, rede balançando sem cansar.
Passava das oito, começava a bater uma fome.
Geladeira deserta, dinheiro sem rastros,
solidão.
Nos lados, nada. Nos lados, ninguém,
só a alma pra conversar,
sei lá o que dizer pra ela. Ou dela.
Fui pro piano, querido e sempre aninhado piano.
Nem lembrava bem por onde começar,
fazia tempo que deixei de afagar aquelas teclas,
fazia tempo que deixei de viver aquelas notas.
As mãos parece que já não eram mais minhas,
os dedos rebelaram suas falanges e começaram a dançar.
Uma a uma, duas a duas, três a três.
De repente estava lá, com toda majestade de um sorriso de bebê.
De repente estava lá, com as fraldas, alicates e desculpas puídas deste caminhante sem fé, sem cabresto, sem varanda.
Passava das oito. E chovia.
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