AmorMorteCaos
Grilos alegres cricrilando.
Sapos enfadados coaxando.
Éguas no cio relinchando.
Gatos nas telhas rolando.
Galos (d)espertos cantando.
Vacas famintas mugindo.
Carneiros de bode balindo.
Matilha vadia uivando.
O chupa-cabra agitando o galinheiro.
Todos os decibéis possíveis da natureza
Em alto-falantes superpotentes
Colados ao meu ouvido
São bem melhores que os sons dos humanos.
Escapamento de motos explodindo.
Crianças gritando e correndo no cômodo ao lado
Chaleiras chiando, tampas de panela despencando
Talheres tilintando, velhos peidando.
Tampas de bueiro soltas sob os pés.
Latinhas de cerveja sendo destampadas.
Gol do Corinthians num domingo de sol.
Mecânicos testando motores recém-reformados.
Máquinas autenticadores nos bancos.
Portas giratórias alcagüetes e constrangedoras.
Alarmes de incêndio em curto-circuito.
Sirenes, buzinas, derrapadas, apitos dos guardas.
O apito do guarda noturno.
Os nóias na esquina conversando
Soltando imprecações e risadas estrondosas
- quando há tão poucos motivos para rir.
O vizinho do apartamento ao lado batendo na mulher.
O caminhão de lixo dando marcha à ré
Barulho de sacolas rasgando e de cacos de vidro
E latas se chocando e do chorume escorrendo
[no asfalto.
O boom do mercado imobiliário.
Marretas, paredes caindo.
Pedreiros gritando, tratores, guindastes
Plainadeiras, azulejo sendo serrado
E pregos caindo e arrotos de ovo cozido frio.
Sobre tudo isto por horas a fio
Eu poderia tranquilamente discorrer.
(Tempo eu tenho).
(Uma Eternidade por vir).
Mas, como fazê-lo
Sendo eu um não-Eu
Estando abandonado por você?
A culpa é dessas paredes opressoras
Com os ecos dos meus pensamentos
Ricocheteando pra lá e pra cá.
Um desfile na altura dos meus olhos
De todas as malditas palavras ditas.
As ferroadas das palavras trocadas
Bem aqui no meu peito fincadas.
E tudo o que não foi dito
Parece tornar-me um sátiro maldito.
Fazendo pente fino em minhas memórias
Trazendo os sons da natureza
(as palavras redentoras que não pronunciei)
Tentando recuperar você, minha Ninfa.
Que fugiu voando porta afora.
Cabelos esvoaçantes, seios balouçantes
Lágrimas nos olhos, e uma ferida aberta
Sangrando no peito.
Correndo pirambeiras acima.
Ouvindo botequeiros zombeteiros te cantando.
Carros freando em cima do seu corpo.
Desviando de skatistas.
Fugindo de mim.
Ó, Ninfa, volta!
Tira-me desta agonia de morte.
Tira-me desta cacofonia urbana.
Tira-me deste Inferno Moderno.
Ficar abandonado é tão triste!
Olhando o cabo desta faca logo abaixo
Marfim apontando para o céu, em riste.
Ninfa, por que ao pecado sucumbira?
Em coágulos me contemplo; de mim eu esvaí
E agora resta o fulgor bruxuleante
Daquela pira, ali, logo adiante.
E o último lampejo de consciência se extingue.
Ao estupor vou cedendo.
Ao derradeiro delírio vou cedendo.
À fonte do sono eterno vou sedento.
Mas, antes, um pouco de dor!
Mas, antes, tosse com sangue.
Mas, antes, cavalarias com anjos montados.
Anjos da Morte, Ninfa
Vindo me buscar.
E solidão.
E ataraxia.
E um portal aberto
- Consigo ver o outro lado.
Grilos e galos e vacas e éguas e cachorros e gatos e bodes e sapos e chupas-cabras.
E Silêncio
O Silêncio da Natureza.
Fogo queimando madeira.
O rio correndo apressado.
É assim que se morre de amor
Ninfa?
10/05/2011 - 13h34m
11/05/2011 - 15h00m