ANOREXIA CAMINHO SEM VOLTA
Ela não quis mais nada
Tudo nela desandava
Pra se sentir mais amada
De seu coração apanhava
Estava se alinhavando
Costurou sua boca
Já desfilava levitando
E era aplaudida pela platéia louca
Quando comia algo que gostava como criança
Logo depois se formava o peso na consciência
Pegava sabão e bebia no cálice da ânsia
E na latrina expulsava a culpa do pecado em penitencia
Neste desfile anorético
Incentivado pela loucura do consumo insano
Quem sabe se faz menos apologético
E parem de se alimentar de cabides humanos
A roupa desfila ao vento presa no varal
A vaidade e a fama são duplicatas infernais
É o pacto que essas modelos fazem com o mal
E em troca definham até não resistirem mais
Pele e osso fazem parte da gangorra
São infelizes que se vendem pra canibais de indigentes
Obsedem até que a pobre sucumba e morra
E só desfile nas mãos embrulhadas num caixão horizontalmente
Quando muito comem tão parcamente pouco
Que só lambuzam os pratos com suas digitais
Um quilo a mais é Narciso se olhando no lago louco
Que da pra sentir sua ondulação sorrindo morbidamente
A espera de mais uma queda em suas águas espectrais...
Anorexia é a ante-sala da loucura esteta
A modelo desfila na passarela de seu inferno
Seu tempo se restringe em cintura de ampulheta
De todas as estações ela vive hibernando no seu inverno
É uma doença e como tal não há culpados
A modelo vai definhando e desfilando até falecer
Vai se desentralhando, desfiando de carne virando rescaldo
Estranho mundo este, honra poder e glória até tudo escurecer...
Prisioneira em campo de batalha
É um suicídio lento um vento que vai desfolhando o galho
Feito com bisonha e sutil navalha
O corpo presidiário perdeu pra mente em seu talho
Quando pararmos de nos preocuparmos
Em estarmos lindos para os outros
E passarmos a estar bonitos pra nós mesmos e nos amarmos
E seguir a vida envolvida noutras vidas até nos acordarmos
Quem sabe este é o modelo ideal na passarela dos sonhos