SOBRE LEÕES E GAZELAS - JUNÇÃO, EM UM, DE DOIS POEMAS DE 1988
No tempo em que o amor vinha a mim como flecha incendiária
a penetrar carne e alma
e o sangue era duas ondas harmoniosas
tudo era bom e tudo estava certo.
(É verdade que não me lembro
de quando jamais foi isso.)
"Ainda que eu fale a linguagem dos anjos..."
Espero, desde sempre, São Paulo,
que me venha a linguagem dos anjos
trampolim para o Amor.
Ainda que eu aprenda a linguagem dos corpos
todas as linguagens de todos os corpos
onde os corpos escondidos
"... mais abaixo dos subterrâneos?"
Enquanto o leão devorava gazelas na floresta
no bar mais solitário da cidade
o boêmio reencontrava a amada
no profundo da taça
no desvão do seu Super-Homem
alguém relia Nietzsche
e se punha a olhar o mundo
da janela do sótão
e tudo estava bem
e tudo estava certo.
Ainda que eu comungue
com os paraísos da linguagem
com os vírus da linguagem
com as drogas da linguagem
Ainda que eu comungue com a linguagem
das águas e das árvores
das montanhas e dos pássaros
das cavernas e dos códigos secretos
Até quando águas
e árvores e montanhas e pássaros
e cavernas?
Quê respostas os códigos secretos
para sempre calarão?
Provisoriamente
apenas a certeza
de que leões
continuam a devorar
gazelas na floresta
e enquanto isto possível
um mínimo de mundo
no mínimo do mundo
tudo estará bem
e tudo estará certo.
De dois poemas de 1988, com alguma reescrita na noite de 04 de maio de 2011.