FLORES DO PÓ
Lílian Maial
Vida apressada, angustiada,
absorta em pensamentos pequenos,
dor disfarçada em mau humor,
pouso os olhos no menino, ali, dormindo.
No meio da rua, entre carros, passantes,
cachorros e passarinhos destoantes,
mãozinhas sobre a cama papelão,
agarradinho, inocente, no corpo do irmão.
A mãe sofrida, sentada no chão sujo,
tentando esconder a vergonha e a fome.
À frente o pai, derrotado enquanto homem.
A dor oprimida no peito, o não conseguir engolir,
ver assim alguém tão só,
uma família – flores do pó.
Ah, a cruz! Preguem-me na cruz!
Quero morrer por eles, morrer por mim!
Inerte, covarde, torpe!
Nada a fazer, senão sofrer?
Não tem remédio, senão chorar?
Menino dormindo como o meu,
como os nossos,
sonhando sonhos de criança,
luzes e festa,
brinquedos e paz,
sorvete, banho, banheiro.
Alegria o ano inteiro.
Perdeu o endereço do céu,
Mas espera Papai Noel.
Aquele pai e aquela mãe,
sem teto ou dignidade,
não sabem, da missa, a metade!
Não choram, apenas pedem que a sorte mude
e os ventos tragam a esperança
e o sorriso do menino,
que dorme ali no chão, tranqüilo,
ao relento, desprotegido.
A leoa de dentes arrancados,
o guerreiro sem escudo, sem lança,
sem conseguir defender sua criança...
Olhar vazio, alma apagada,
sem ter mais nada.
Nada a oferecer, senão seu corpo.
Nada a pedir, senão o pão.
E eu, e você, o que fazemos?
Vamos embora, consciência confortada
afinal, nada podemos fazer,
não temos o poder!
Qual nada! Eu posso. Você pode.
Mas é difícil, é cômodo.
Você tem lar.
Eu tenho pão.
Eles é que não...
Lílian Maial
Rio, 20/12/00.