VOVÓ

POEMA

[ A minha vozinha, que morreu na sexta feira da paixão]

Galego d’água doce como só fui

Águas do açude do meu Angicos

Em que suas pedras gigantescas e quentes

Tanto brinquei

Uma infância curta, mas nada pobre!

No banco da praça onde tantas chananas destruí

Um velho e bom homem que na cigarreira

Pirulitos vendia por um trocado de moedas

Olhava-me e via-me como um anjo loiro

Angicos, berço meu em que tanto dormi

Lembro-me da calçada suja e da terra quente

Do grande João barbeiro

João, também um bom homem

Lembro-me de sua voz de radialista

Seu cabelo bem arrumado

E suas camisas estampadas

Lembro-me também

Que sempre passava a mão em meu cabelo e dizia:

Brinque menino, brinque

Quem dera à saborosa fussura, buchada,

E o bode cozido na limpa cozinha

De minha vó, vozinha, vovozinha minha

Ah...! Saudades com água na boca

Ainda sinto o gosto doce do doce de mamão com côco

Doce de jaca, doce de banana

Feitos com suas mãos

As mesmas mãos com as quais me afaga quando me ama

Lembro-me dos filmes no cinema improvisado

De meu tio Pedro... lembro-me também

De seus puxões de orelhas

Quando me escondia para ver os filmes de sacanagem

Lembro-me das graças de meu tio Dió

Dos beijos de minha tia Francisca

Dos gritos de minha tia Maria

Iguaiszinhos os de minha mãe

Não só o carinho, a brabeza também educa

Do meu tio Zé augusto

Lembro-me do seu ar de muita moral

E de seu churrasco apetitoso com arroz de leite

E Nilton, tio meu

Me deixou o jeito manso, a elegância

E a limpeza... algumas sacanagens ele também me ensinou:

Pescar traíra e moça donzela

Ser brabo com categoria

E não fugir de muié bela

Tia Hiara, lembro-me pouco

Uma vez apenas a vi

Lembro-me de três bonitas filhas suas:

Uma loira e duas morenas

Duas grandes e uma pequena

Tá vendo vovó: tudo filho seu

Filhos que deus a ti prometeu

Dos netos, tem de todo tipo:

Alto e baixo

Tem gordo e tem “mago”

Tem galego e tem “nêgo”

Uns que dão beijo

Outros, chamego

Ah vovó Terezinha

Tem neto teu que já filho tem

Eu não sou

Não sou pai de ninguém

Não sou casado, mas também não vivo só

A senhora, vó Terezinha, já é bisavó

Desculpe minha pessoa

e de mim tenha dó

A senhora vó Terezinha, é uma grande mulher

Foi, é e será sempre minha segunda mãezinha

Ah... minha vó Terezinha, senhora de muita fé