BEAT(I)TUDE
Beat(i)tude
(Goulart Gomes)
hora de lavar o rosto e enxugar as lágrimas
chegar ao fim é apenas o começo
aquela velha frase indigerida
"a vida continua" sempre
o eterno novo, heráclito, virá a ser
só nós não mudamos
e continuamos a sentir as paixões como antes
sentar na pedra não vai fazer
a estrada parar de andar
somos nós mesmos, apenas, somos nós
temos tanto que nos falar!
estou chegando ao fim, baby
e você me ajudou tanto a chegar lá!
areia na ampulheta e lei da gravidade você foi
a vida só dói quando se pensa
e o fim não é tão ruim
estou chegando sim, baby, rô, enfim;
não um grande amor, uma grande besteira
uma grande vida e tudo que ela pôde dar
cinco sonos, depois você chegou
e no sétimo quero descansar
pegar minha mão no ônibus
trem, navio ou avião, sem ter medo
e me rir cheia de dentes nada vai mudar
pequeno alento, beijo ao rosto do defunto
sobre o asfalto
sim, baby
você é um tombo para o precipício
descansar na tua paz
deixei-me, nu como nasci
de alma
deixei-me nu
totalmente cru nesta viagem
escrever é a grande droga e você
agora só resta o beco sem saída
uma imensa parede de tijolos vermelhos
os red bricks duma velha lição de inglês;
compartilhei com você veleidades
e deixei a velha pele aos seus pés
você não me reconheceria!
já não sentia nada a não ser a sua voz
anestesia
num olhar de entrelinhas
(estranho
menina de olhos pautada!) -
cruzei o rio em sua barca
e fiquei por lá, quer vir?
descubra alguém que a carregue
idem adeus é tão distante e
tchau é até já;
carregar a casa às costas
caracol, é sua vez
se bebesse de vez seria bem melhor
velcron te grudei
em alguma parte por aqui
compartilhar, amor, é dividir
e não somar, meio-eu, meio-você
três em um quarto de qualquer tempo
e o veneno já correu
todo o meu corpo
"você precisa amar"
e o sangue não chegou ao cérebro
"você precisa ser, amada"
nasci das águas, nada me pertence
vi(vi) tudo o que devia
alguém tem de fazer algo
mas não sou eu,
grande grande grande viu?
vis seus quadris
não exprimem mais nada eu
já lhe roubei o segredo
já, já me ensinou a gostar
de mim como você
tchau, adeus, adeus
você também cumpriu sua missão
por que estes anjos apostam
tanto em mim? não sou um deles
não tenho perdão, direção ou jeito;
acordei mas não gostei, nem de dormir
vou estar aqui
olhando pra vocês
não me olhe assim, com pena
sou justo e temente
isto é só uma agonia
o fim já vem pra nós
vou fingir que nunca estive aqui
e o pedaço que sobrar
saberei que foi o seu
não beije, não, oh, baby, rô!
quem sabe um dia
quando eu não puder mais abrir os olhos
já vivi demais, eu sei
e não quero incomodar
lhe saber eu sei abdicar
vá embora, baby-sitter
desta vez eu tenho que fazer sozinho
obrigado, baby, rô!
quem sabe em outra vez
mas vou seguir seu indicador
lhe acenar com todos dez
esta é a estrada que você me fez
ouço o beat no peito
ecoando no colchão
se escorregar, eu sei
vou estilhaçar em mil pedaços pelo chão
morder o coração feito uma esponja
até dessangrar
guinchar de rodas e uma pancada
seca por trás
na última visão um líquido escarlate
chupado pela areia
gritar de vozes
multidão que faz ciranda
"eu não tive culpa" ouvir
- obrigado por ter tirado um fardo de sobremim.
você me trouxe, baby, rô, até aqui
mas não pode ir além
no elevador só dá mais um
estou aqui
a um passo da eternidade
(meus heróis morreram crucificados)
é tudo azul no infinito
em vários tons, oh, baby,
você me libertou
grande e bonito sinto
ô baby, rô, você é linda
e eu vou
menção honrosa no Concurso de Poesias
do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, 1992.