Sol das Missões
O sol das missões reflete na pele rubra do chão.
O matiz do horizonte pinta a crueza de um tempo
que com o vento não passa. Fica na sombra do povo.
Na alma rude da raça. Entranha no sentimento
e extravasa pelos poros da rima do pajador.
A energia das Missões tem algo transcendental:
estranho amor pela terra na face bem definida,
miscigenado ameríndio, de herança guarany.
Desta epopéia sublime da gesta continentina
cuja memória ensina, muitos séculos depois.
O silêncio no arrebol traz incontido lamento:
vozes na asa do vento; sangue no oco do rio;
tropel de nativo anseio na diástole da terra;
memória viva de guerra e um denunciado holocausto,
no verso fausto das almas pela voz do pajador.
Quando o Jayme abria o peito as almas pré-colombianas
convertiam sóis e luas pro interior de sua voz.
Era uma invísivel dança de luzes e de energia,
por isso sua poesia foi semeando esperança
e tornou-se eterna lança, sublimando corações.
Quando ele fechava os olhos, recebia mil imagens
transcritas pela linguagem em que a palavra era o ato.
Porque a terra removia seus escombros de injustiça
para quebrar o silêncio dos ancestrais massacrados,
para mostrar o repúdio às sombras de além mar.
Jayme era dono de um dom somente dado aos pajés:
de nunca subordinar-se nem à sequência do tempo;
de reescrever a história - pajador misto de monge -
que às vezes andava longe, mas sem sair do lugar,
para buscar uma voz e então vesti-la de luz.
Ele arrastou uma cruz - quatro braços e três séculos -
Por ter milênios de paz, levou seu fardo cantando
seus versos irrepetiveis, sorvidos da imensidão.
Mudou o mundo ao seu jeito, pois tinha dentro do peito
fiel pulsação da gleba e o explendor de ‘coaraci’.
Jayme, um cacique da aldeia, era o sol das missões,
a própria luz da região que abria o dia do verso.
A quem quisesse sua mão, ofertava o coração.
Por isso há no matiz quatro cores e dez tons.
É o pajador na Espinela a clarear o universo.
(Gravado no CD Tributo a Jayme Caetano Braun e publicado no livro Pajador do Brasil- Estudo Sobre a Poesia Oral Improvisada, de minha autoria)