OLHARES DIURNOS
Há tanta veracidade em ver a cidade
sem muitas flores em seus concretos,
sem muitas almas em suas carnes e seus ossos
movendo-se como um turbilhão infindável.
Quando eu era menino
guardava sempre pétalas de flores
no meio de meus livros. Eu preferia os livros de poesia.
A flor da qual eu mais gostava de guardar as pétalas
era a rosa.
Um dia arrumei uma namorada que se chamava Rosa.
Contei isso pra ela e ela nem ligou.
Então eu desisti dela e fui namorar uma brinco-de-princesa:
- Hoje somos unha e carne.
Ela me ensinou a questionar a quem pertence a alma:
Ao osso,
ao sangue
à carne?
A alma pertence à unha, dizia ela
com sua sabedoria de flor.
Dizia mais:
- Há em cada porto uma porta aberta.
Há em cada linho uma linha reta.
(Sempre é possível começar uma vida nova com uma roupa limpa.)
Planejei mil folhas de alecrim
sem pauta e sem nervuras,
todas brancas como almas de criança,
a fim de escrever um lindo verso de amor.
Mas aí aconteceu essa brinco-de-princesa
fazendo-me poeta e urubu rei, dono de todas as alturas,
e meu verso ficou tão bonito que passaram a me chamar de o poeta das nuvens.
Sei que isso é exagero, mas gosto porque me deixa mais apaixonado ainda
pela flor que se instalou na orelha da princesa.
Azar o meu que fui brincar com o amor. Ou será sorte?