Idioma
A João Cabral de Melo Neto
A língua que habito
traça caracóis de sonho
que se perdem no infinito
e, igualmente, desenha
com pena invisível,
o risco profundo
dos sentimentos ocultos,
torna o mundo possível.
A língua que habito,
presente em versos de amor
e cantigas de amigo,
é parte do chão verde-amarelo
que, vagando, carrego comigo;
é faca cortante que dilacera
em fatias sempre iguais
os eus que habitam em mim
sem separá-los jamais.
A língua que habito
encontra em vocábulos suspensos
o universo do não-dito
e transforma em signos permanentes
as chamas sempre presentes
de meus pensamentos fugidios;
é clareza, dúvida e engodo;
é voz, silêncio e grito.