BOCA LOUCA

A boca é o portal da posse

São murais os dentes de nosso forte

Por eles passam a vida e a morte

Ardem na chama da língua

Pela laringe sai o verbo consagrado

Da palavra falada verbum, logos

O homem se trai pelos olhos

A mulher pelos ouvidos

Da palavra afiada

Vulgarmente “cantada”

Devorada pelo apetite da adaga carnal

Do fogo da medula espinhal

A boca é o símbolo da impressão

Da marca e ao mesmo tempo da

Agressão... Daí o palavrão...

É o selo que caracteriza o sentimento

Eu posso! Eu quero! Com ou sem consentimento

Tudo na boca é desejo

Daí a água na boca dum beijo

O sopro espiritual, a narcose de narciso

A porta do inferno ou do paraíso

É muito difícil guardar um segredo

Por isso há muitas cerimônias

De iniciação religiosa que

Amordaça o neófito para que ele respeite

A lei do arcano (silencio) só depois é que

Tiram-lhe a mordaça para que o mesmo

Só possa receber os ensinamentos

Diretamente da boca dos mestres

A boca é a ambigüidade

É a poesia do orador em seu cenário

Ou a oposição seu contrário.

Tanto constrói como destrói

Conversando me conservo

É epopéia e idílio

É o verso e o reverso.