Versos Abissais
O poeta não fala mais de amores.
Mergulhado no universo de sombras,
nas esquinas do mundo. Vasto mundo
onde não consegue navegar.
Visão obscura em meio a céus encobertos,
chuvas de cinzas
e um trago de absinto.
O poeta não fala mais de flores.
Gélidas flores despetaladas que ainda assim
colorem o chão onde constrói seus versos,
sem negar-lhe os seus odores.
As pedras do caminho marcam
um andar solitário. Becos sem saída.
Sobram os medos.
Medo de ter medo, medo de não ter medo,
Medo da morte, medo das flores.
O poeta já não rir. Não há mais risos.
As imagens se fecham em herméticos senões.
Contido, recluso em seu poema frio
arma-se de versos abissais. Extrato de si mesmo.
Na fuga do espelho, a linguagem universal
constrói muros de defesa.
O poeta já não sonha. De que valem os sonhos?
O poeta já não ama. Que proveito teria?
Vencido foi por um sono de séculos
que se arrasta entre a fumaça e o cristal,
entre a luz e a escuridão.
Falo de amores e de flores.
Prosaico, falo de sonhos,
de ganhos, de perdas, de medos
e rio de mim mesmo,
como quem aguarda o último suspiro
num ocaso de pérolas.