Onírica loucura
Sou dono de tudo quanto vejo ou adivinho
E semeio na orla dos caminhos os meus sonhos
E todos os devaneios impossíveis…
Colhi as rosas nos agrestes assombros
Da infantil inocência
E no odor que recendia delas mandei beijos!
Mergulhei na alvura das manhãs solenes
E entre goivos e malmequeres
Compus seráficas serenatas em sol maior!
Amealhei tesouros e inclementes interrogações
Até que sob a lua envergonhada da nudez de dar-se
Me descobri arauto das memórias que não tive
Para que no lastro dos passos perdidos nos carreiros
Que levavam do sonho ao sonhado infinito
Achasse a subliminar transcendência dos ascetas!
Não sou vidente, sequer leio nas margens dos manuscritos
As notas soltas que semelham arabescos de febre
A querer significar os segredos que não existem!
Langorosamente sorvo das pedras quentes a frescura
Que nelas há, tão profunda, que me aqueço e fervilho
Para sangrar de mim as gotas do suor que me lavam de medos!
Devagar me canso de ser ainda pedaço e começo, inacabado
Esboço que se ergue a querer ser algo, mesmo quando vingo
Por dentro de mim a sanha de destronar a heroicidade dos loucos!
Quão louco sou, que outro quis ser e não aquele que aqui se diz
Como se dizer fosse rasgar-se, esventrar-se, dar-se em concreto,
Alma e matéria, saudade e destino, amor e poesia, loucura…
Que este seja, ou outro, ou ninguém! Que importa ser, se ser não é
Ser-se… Ser é tão somente fechar os olhos e ver além da luz e da sombra
O que só a luz pode e a sombra guarda? Nada pode mais que ser-se…
E se disser, gritando, que sou, achar-me-ão louco e sendo louco outro serei
Que louco não sou dessa loucura com que me marcam ou identificam.
Louco é ser… Dizer louco é transformar a insanidade em coisa definida!
Deito-me já! A noite tem rumores de escuridão que embalam e ninam!
Tem trejeitos de gueixa que seduz e desperta do torpor a incoerência dos sonhos
Até que subimos por fios de fantasia ou asas nascidas de coisa nenhuma
Para escavar avenidas onde não há movimento e derrubar montanhas onde o plano
É tão dolorido de liso que rimos de nós mesmos quando rasgamos a água com golpes
De faz de conta e seguramos pelos cabelos soltos a força indómita do vento agreste!
Se somos capazes nos sonhos, porque não sonhamos ainda e sempre essa força
Que nos arranca do chão e nos eleva às alturas assombrosas do ser para sermos
Gladiadores ou algozes? Já não sou dono de mim, mas sei que possuo a chave da loucura!
Em 28.jan.2011
PC