A ARANHA
a aranha
desce muda
pelo fio viscoso
do alto do teto ao chão
desafiando a lei de isaac newton
leve muito leve desce como se só estivesse
e assim que toca o assoalho corre livre entre os móveis
aquela imensidão lustrosa se lhe abre como um mundo de possibilidades
e cada canto escuro com sua poeira cativa serve de esconderijo enquanto pensa
olhinhos negros estudando calmamente milimetro por milimetro aquele novo territorio
as paredes, os quadros, o chão, a mobília, a janela, o sapato, o tapete, enfim, tudo se funde
e eis que surge uma imagem uniforme, inteiriça, total, da soma de tudo até que tudo se torne apenas um
é isso que interessa à aranha: um universo unitário, sem variações, livre de interpretações, desejos e, quem sabe, rejeição
as luzes do dia mudam de direção mas, ali na sombra perene, a aranha permanece atenta aos movimentos
uma vibração, suave, a faz erguer as patas dianteiras como se enfrentasse um oponente invisivel
olhinhos negros, terríveis, brilham soturnos atiçados pela curiosidade faminta que lhes toma
outra vibração, suave, agora sim tem a real certeza de que está diante da presa
toda a fragilidade distraída com asinhas de celofane bem descansadas
se vê diante da armadilha em forma de altiva criatura negra
lambendo quelíceras, arquitetando um lauto banquete
dá o bote, porém lhe sobra distância então erra
asinhas de celofane, alertas, se apressam
e, tendo o domínio do ar, decolam
a aranha, um ponto no vazio
aguarda, pacientemente
o momento oportuno
de fazer jus à fama
de sua natureza
de aranha