Considerações sobre o medo
Há uma hora que tenho medo
hora de absoluta exasperação
hora em que as bocas só mastigam
pensamentos angustiosos
e nada lhes agrada o paladar.
O vinho mais doce
ainda é amargo
a carta mais terna
soa a coisa falsa
o violino mais plangente
desafina
e qualquer música
por mais bela que seja
ainda é uma agressão
ao nosso silêncio.
É desta hora que tenho medo
esta hora vazia
esta hora sem consolo.
Não tenho medo dos ditos acidentes ambientais
da fúria tempestuosa da natureza
nem terremotos, nem dilúvios;
tudo não passa de tristes noticiários
que chegam a nossa casa
em forma de espetáculo.
Não, não tenho medo de avião,
nem das guerras, nem da fome.
O que tenho medo é do homem
o homem que me habita nestas horas malditas
é do homem que tenho medo
o homem e sua profunda indiferença.
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