Insensibilidade sensível

Esperar não é tão bom.

Mas, às vezes, a esperança ao menos salva.

Porque, à medida que envelheço, assim tenho medo.

Agora me sobra o tempo.

Bendito.

Mas as saídas são tantas.

Tão invisíveis.

Nada quero.

Nenhuma vontade me acorda.

Em todo esse tempo cinza estive dormente.

Sinto vontade de amar com todo o prazer.

Eu preciso dar amor para não morrer.

Eu preciso.

Mas o amor não me vem.

Estou há tanto chorando o vazio.

Que nem sinto mais o peso das lágrimas.

Uma carência extrema de ser.

Vontade de ter alguma vontade.

Fosse qual vontade fosse.

Minha sombra já perdeu o tom,

minha ideia já está toda calva,

já não controlo mais meus semblantes,

já nem sinto em meu corpo nem um dedo,

já não distingo mais a sorte do contratempo,

o mundo já se forma todo esquisito,

já não sou nem prostitutas nem santas,

já não existem formas imprevisíveis,

já não me acalmo nem me desespero,

já nenhum frio ou calor me aborda,

já não há uma prece insistente,

já não procuro nem encontro o que fazer,

já não vejo motivos pra ficar ou correr,

já não me resta verso inteiro ou inciso,

no momento já nem sou alguém ou ninguém,

já não há lugar de luz ou sombrio,

já não se nascem coisas ótimas ou péssimas,

já não desejo tomar fôlego nem desfalecer,

já não reconheço dor ou felicidade,

já não me amarga nem me faz doce.

E assim é que eu pergunto o que fazer.