A SEPARAÇÃO
Já é sessenta
é demais
ou será pouco
já estou rouco
já é sábado
ou será santo
é madrugada
o frio é justo
o cobertor é curto
eu sou sonâmbulo
ou maluco
ou astuto melancólico
estou bêbado
é sexta-feira
santa hora de acordar
fiz o mapa
fiz um débito
escrevi cartas de amor
era novo, estava livre
era falso
o bolso furou
estava tarde
estava morto
o fim do coito
ofegante
o coração fraco
o nervo flácido
o insucesso
o insalubre
o beija-flor.
Já é almoço
estou com fome
quebrei o garfo
o dente podre
a mulher pobre
a roupa suja
a mala pronta
a desconversa
perdi o medo
dormi na sala
quebrei o jarro
paguei os juros
acordei meio tonto
rasguei o livro de contos
bati a porta
foi o desgosto
fiz juras eternas
maldisse as horas
dormi na rua
o escuro da noite
o frio na espinha
a dor era justa
o fim era certo
o perdão era imposto
a crise findou.
Arrumei as malas
fazia sol
a manhã estava linda
o brilho nos olhos
o espelho amigo.
Sessenta já era
sou jovem pra sempre.
Um novo sonhador.