CAFUNÉ
Meu corpo gela nas cenas em câmera lenta
Que eu teimo em pausar quadro a quadro
Como num quadro do Basquiat.
Meu olho fecha pra dentro das imagens que congelo
Entre o cérebro e o pulsar do meu coração
E elas ficam lá, pairando nas minhas bochechas tremendo
E descendo aos lábios entreabertos e secos
Com os cantinhos rachados pelo tabaco
E o meu tabaco já não quer mais um fogo líquido que lhe venha regar
As entranhas.
São minhas entranhas as que eu queria guardar salvas das lembranças
Mas elas teimam em continuar subindo e acabo abrindo os olhos
Por onde elas penetram.
Eles agora estão grudados, ardidos e fixos naquele furo na parede
Onde eu sempre apago meu cigarro, antes de me embriagar.
Nestas noites vago entre o ar quente que me chega aos pulmões
E o gelo do copo tilintando rum com coca zero açúcar e eu me pergunto:
Onde está o doce sabor que provei junto com o vinho barato
Junto com a poeria dos carros em voei no escuro sorrindo
E ouvindo Kitaro?
Eram doces noites de sonhos e brumas e Universos paralelos
Onde eu me encontrava e nos quais vivi.
As lembranças não morrem, estão todas aqui,
Esperando minha nave-mãe voltar e me levar
Ou me dizer
Que meu tempo se esgotou
E que não há mais fuga possível para um mundo de sonhos
Então, acaricio meus pesadelos e vou dormir
Nua, com os dedos entre os pentelhos num cafuné
Que teimo em fingir que me deixa mais feliz.