Enganos
Engana-se quem pensa que penso
querer do saber que não sei.
Engana-se quem acha que almejo
cumes que não alcanço
ou glórias que olhos tensos,
julgando-me de própria lei
ao transgredir no varejo,
em versos que afianço.
Quem pensa que escadas subo,
que em preces por mim peço,
não sabe do meu escuro
em águas que não dão pé.
Sou eu quem mais me derrubo,
em minha sombra tropeço.
De vácuo é meu porto seguro,
onde amarro minha fé.
Nesses passos que gaguejo,
será que meu novos sapatos
levam-me, enfim, à estrada
que chega à simplicidade?
Cansa-me, da frase, o cortejo
onde versos caricatos
camuflam emoções por nada
em vadia loquacidade.
Usei tantas reticências
forjando mistérios na pausa,
multiplicando o derrame
de falsa verborragia.
Bastaria, sem ciência
um ponto isolando a causa
sem razão, da rima infame
que usei por covardia.
Meu apego ao desapego
coloca-me frente à sorte
que outros pensares me pensam.
Noves fora, me esvazio
de atributos que renego.
Do espelho me espia a morte,
em vírgulas que não descansam
e em vida, me silencio.