ONDE ESTÁ DEUS! (parte 5 de 7)
ONDE ESTÁ DEUS! (parte 5 de 7)
Deus está na falha da buzina e no barulho do chocalho;
Deus está na sagrada escritura e no coringa do baralho;
Deus está no picumã da parede e nas cinzas do borralho;
Deus está no contorno da muralha e no retorno pelo atalho;
Deus está na devastação da seara e na indiferença do espantalho;
Deus está no paralelepípedo da calçada e nos seixos do cascalho.
Está na rotina do empírico e na célebre pesquisa;
Está na pintura abstrata e no quadro da Monalisa;
Está na tranqüila afeição e na obsessão da ojeriza;
Está no laço da gravata e na abotoadura da camisa;
Está na neblina espessa e no transparente pára-brisa;
Está no mal-estar da enxaqueca e no corrimento da coriza.
Na gula do obeso e no regime do magrelo;
Na minuta manual e no impresso no prelo;
Na assinatura do juiz e na batida do martelo;
Na moagem do milho e no cozimento do farelo;
Na semeadura mecânica e na colheita com cutelo;
No ponto de convergência e no que está em paralelo.
Está na plebe sem rumo e no gado na fazenda;
Está na graxa no parafuso e na chave de fenda;
Está no risco do arado e na engrenagem da moenda;
Está na economia na compra e no desconto na venda;
Está no epitáfio no túmulo e na medalha da comenda;
Está no chocolate da páscoa e na gororoba da merenda.
Deus está na labuta diária e na preguiça renhida;
Deus está no fogo eterno e na salvação prometida;
Deus está na cabana do cigano e na cripta do druida;
Deus está na branda brisa e na ventania enlouquecida;
Deus está na nudez da modelo e na adolescente vestida;
Deus está na farofa que engasga e na calda a ser bebida.
Está na libido da Eva e no ciúme do Adão;
Está na luva de pelica e no calo duro da mão;
Está na fêmea estéril e na artificial inseminação;
Está no ato de perdoar e em quem não dá perdão;
Está no poder da fé e na espontaneidade da oração;
Está no julgamento decente e na injusta condenação.
No vértice do ângulo e no oposto cateto;
Na lingüiça crua e no churrasco de galeto;
No ritual do vodu e no boneco de amuleto;
Na brasa de carvão e na fogueira de graveto;
Na lona do tabernáculo e nas vigas do coreto;
No óxido de ferro e no composto de carbureto.
Está no eito do felá e no feudo do vizir;
Está no vadio vira-lata e no exótico tapir;
Está no balofo momo e no esquelético faquir;
Está no meteoro no zênite e no satélite no nadir;
Está no adjetivo “destruído” e no verbo construir;
Está nos ícones na sinagoga e no simbólico menir.
No conceito totalitário e no imbecil niilismo;
Na frigidez feminina e no tabu do priapismo;
Nos vários deuses e no dogma do monoteísmo;
Na deslumbrante colina e no tenebroso abismo;
No pão da eucaristia, na água e no sal do batismo;
Na ginga da capoeira e no treinamento do atletismo.
Na rainha clandestina e no rei exilado;
No noviço eunuco e no estuprador tarado;
No uso da palavra certa e no fazer o errado;
Na lança do soldado e na coroa do crucificado;
Na sede do abstêmio e no alcoólatra inveterado;
No odor de merda e no aroma de bife acebolado.
Deus está no petróleo bruto e no gás de metanol;
Deus está no negro africano e no amarelo mongol;
Deus está no pódio olímpico e no esdrúxulo urinol;
Deus está na fragrância do nardo e no inodoro girassol;
Deus está nos meandros do rio e nas curvas do caracol;
Deus está no estudante de medicina e no jogador de futebol.
(junho/2003)