MENOS GLÓRIA

Encontro cada vez menos glória

na glória das manhãs.

E menos limpidez nesses céus

onde o azul era tão puro, que as pequenas nuvens brancas

pareciam não passar de erros realçando a perfeição.

Agora parece que encontro menos daqueles verdes

com que a terra-mãe se canta em alegrias,

e sinto menos alegres todas as outras cores

com que florescem, pujantes, os seus segredos incontidos.

Estão soando monocórdicas as vozes dos passarinhos...

-alguma vez terão sido mais do que imprevisíveis e alegres,

ou foram sempre assim, uma algazarra desconexa de piu-piu-pius

a quem a nossa imaginação se encarregou de atribuir significados ?

Não estou encontrando caminhos para os meus passos de poeta,

idas rumando a algum lugar que faça ainda um mínimo de sentido,

onde não me perca de mim, nem da história que escrevi com a alma,

mais do que com o corpo, em cansaços e cicatrizes.

Nas sombras das raras árvores dos meus caminhos,

não há mais recantos de poeira intocada, entardecendo melancolias.

Não há fontes sem lixo, cristalinas e acolhedoras a um repouso,

nem curvas de rio onde as águas remansem em brilhos de prata

as histórias dos lugares a montante, em noturna languidez,

ou onde acolham meu banho cansado, purificador, ao luar.

Está cada vez mais difícil.

Sempre alguém já disse as nossas palavras.

( Bruxuleia a verve. O gênio diluiu-se no sangue. Esvai-se o dom.

Os poetas, agora, já dizem pouco.

Dos poetas, agora, já dizem tudo.

As lojas, em breve venderão fantasias de poeta,

como vendem de dinossauros – extintos e na moda.

Um poetosaurus-rex. Um tiranegócio-rex ...

Às vezes, em rima.

Não sei mais se vale a pena.

E nunca pensei se tenho escolhas.)

FEV 2011

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 02/03/2011
Código do texto: T2825041
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