ONDE ESTÁ DEUS! (parte 4 de 7)
ONDE ESTÁ DEUS! (parte 4 de 7)
DEUS está no barco á deriva e no leme do timoneiro;
DEUS está no totem da tribo e no cachimbo do feiticeiro;
DEUS está no banquete no castelo e no esterco no poleiro;
DEUS está no chip do computador e no neurônio mensageiro;
DEUS está no trabalhador honesto e no malandro trambiqueiro;
DEUS está na farra da viúva e no ócio do aposentado brasileiro.
No amargo da derrota e no doce da vitória;
No cérebro do robô e na fadigada memória;
Na prolongada ladainha e na curta jaculatória;
No prólogo da civilização e no epílogo da história;
Na benevolência da contrição e no fervor da oratória;
No admirável colar de pérolas e na execrável escória.
Deus está na maçã do desejo e na árvore profanada;
Deus está no colírio no olho e na pimenta amassada;
Deus está na cadeira de balanço e no cabo da enxada;
Deus está na briga por um boi e na concórdia pela boiada;
Deus está nos seis continentes e na longínqua ilha isolada;
Deus está na máscara da mula sem cabeça e na alma penada.
No orvalho da relva e na flor que encanta;
No delicioso jantar e no vômito na garganta;
No tratado de desarmamento e na guerra santa;
No húmus que aduba e na foice que poda a planta;
Na mudez da pedra e na voz do pássaro que canta;
No horizonte que escurece e no sol que se levanta.
Está no néctar da uva e na baba do quiabo;
Está na cura de Lázaro e na inveja do diabo;
Está no chifre na cabeça e no ferrão no rabo;
Está na miséria do mendigo e nas posses do nababo;
Está na insolência do general e na disciplina do cabo;
Está no excremento no esgoto e no sabonete no lavabo.
Na grafite do lápis e no gume da faca;
Na figura no espelho e na sombra opaca;
No vinho que é sangue e no leite da vaca;
Na toalha do altar e na imundice da cloaca;
Na pachorra do calado e na loquacidade do matraca;
Na vela na encruzilhada e no descarrego da urucubaca.
Está no nabla vetorial e no delta cartesiano;
Está na tenda no deserto e no iglu siberiano;
Está na cruz de madeira e no sudário de pano;
Está no assobio do apito e nas teclas do piano;
Está no prejuízo na bolsa e nas riquezas do vaticano;
Está na moderna Brasília e no velho império romano.
No tenaz parceiro e no frouxo adversário;
Na extrema unção e nas contas do rosário;
No quisto na bexiga e no mioma no ovário;
No dízimo do devoto e no tesouro do sicário;
No bolso do muquirana e na herança do milionário;
Nos hieróglifos no papiro e nos verbetes no dicionário.
No pingo de chuva e no grão de poeira;
No dinheiro no banco e na crise financeira;
No tapa-olho do pirata e no hábito da freira;
No defeito perpétuo e na virtude passageira;
No navegador da internet e na comadre fofoqueira;
Na hilaridade do cômico e no tormento da carpideira.
Deus está no mel no pote e no fel na taça;
Deus está na disputa ferrenha e na falta de raça;
Deus está na sopa primeva e na garrafa de cachaça;
Deus está no discurso prolixo e na piada sem graça;
Deus está no jeitinho carinhoso e na estorvada pirraça;
Deus está no semáforo na esquina e na estátua na praça.
Está no efeito estufa e na defesa do meio ambiente;
Está no pó da demolição e no líquido do absorvente;
Está na lanterna apagada e na lâmpada fosforescente;
Está no maníaco supersticioso e na crendice na vidente;
Está no marasmo da lei e na impunidade do delinquente;
Está na lógica do planejado e no que acontece por acidente.
(junho/2003)