A ternura dos quarenta

A ternura dos quarenta é um jornal aberto nas palavras

cruzadas que se cruzam na vida

e delas não se encontra o significado

absoluto, apenas sinonimos incapazes de

por um ponto final

na indefinição,

é uma gata a dormitar

nos joelhos quebrados,

é um copo de vinho vazio a

enfiar uma rolha nas pálpebras,

é um fogo a arder devagarinho

até que a cinza dê por finda a noite.

O corpo é uma jangada de ossos

que o trouxe até aqui.

O caminho foi como foi.

A viagem foi coisa que ele não comandou,

mas nunca aceitou que a razão

fosse uma âncora que parasse o coração.

Agora atracou em segurança.

Mas se os pássaros que regressam

o levassem de volta, ele ia à procura do princípio

e levaria as algibeiras da alma cheias de desejo

para dar de comer às pombas

que se recusaram a posar nas suas mãos

vazias de milho.

A hipófise já não é uma hipótese,

é apenas uma cigarra muda.

As hormonas são formigas sem fome

que perderam o carreiro e morrem antes de chegar ao umbigo.

O tempo útil de emoções foi tão curto.

Perderam-se horas

e dias

e anos matutando, matutando,

os egoísmos silvando na noite como cobras frias,

esperando que a mão do outro

viesse,

com dedos de sol,

enxugar a tristeza do rosto,

esperando que os braços do outro

fossem uma ponte

estendida

entre as almofadas

para não morrerem afogados

na fundura do quarto.

E entretanto a traça da idade veio

e roeu as golas do ânimo.

A libido está pendurada num cabide

e tem os forros cheios de bolas de naftalina

para sobreviver à oxidação do desejo.