DERRADEIRO
um anel
corre de mão em mão;
entrelaçados, nossos olhares nem piscavam:
na concha da minha mão, fechada, havia um anel!
Gláucia,
a putinha mais doce da classe,
adorava ser o “pegador”,
marcava, junto ao anel deixado em sigilo,
dando uma mão ao destino,
um encontro na cantina quando a aula acabasse;
a campainha tocava,
e, num só salto, corrimão abaixo,
aparecia Gláucia para ganhar a prenda.
... num dia inesperado,
como inesperadas são as marcas do sarampo,
Gláucia ficou mais de um mês sem ir à escola.
Um mês só! Cresci tanto!...
O suficiente. Matei até a curiosidade
se os peitinhos de Ritinha desabrocharam,
adorava apalpa-la no jogo dos quatro-cantinhos.
O necessário. Desnecessária a infantil imposição
de agachar-me só para constatar a cor das calcinhas
das meninas catando casca de banana na amarelinha.
O fim-de-ano chegou
e Gláucia não mais voltou.
O anel,
que corria de mão em mão,
era de um vendedor de balas da esquina,
seu olhar, que era de vidro,
o sarampo levou!
Três vezes bati os pés no assoalho,
ganhei férias e fui adiante
ao futuro, esse improvável,
com sorriso de ano-novo
jurando de não abrir mais as mãos
ao jogo do “passa anel”.
Um ano mais velho,
a idade, pouco importa,
marcas de sarampo não duram a vida inteira,
senti falta da infantil brincadeira.
Fui ao baleiro comer paçoca.
Para o espanto da minha timidez,
uma mulher, com cara de menina, mordia um chocolate.
Convidei-a para andarmos de mãos dadas.
Não abri as mãos em concha,
mas senti o anel no dedo:
derradeiro ficará!