ALFREDO FIM DE NOITE
Alfredo,
quarenta e quatro anos de idade,
ateu, ciente e exato,
com rabiscos de engenheiro
traçou alguns livros
— contábeis —
que lhe rendiam algum
para poder acender
— com lâmpadas caras –
detalhes obscuros do seu quarto.
Do lado esquerdo, acordado,
um braço em posição pra violões
desperta canções cifradas
como queria demonstrar o teorema
da serenata para aquela pequena:
primeiro raio de luz moreno
da janela entreaberta, apenas,
namorada nas noites existidas de luar.
Na parede, uma régua em T,
desequilibrada como as dementes
mentes dependuradas pra pirar
despencou tal qual o Dali surreal
até calcular o impacto do ser moreno:
sem mais dedais ou alianças
as mãos trocadas não mais tocarão
na amante de birra e por falta de tesão.
Alfredo, aos quarenta e quatro,
atarefado
com o caixa, com o diário e com o razão,
sem mais amante,
com a luz sempre acesa do quarto
resolveu passar a noite a limpo
alimentando o saldo bancário
e o seu grau de miopia.
Vez em quando
vozes histriônicas
invadem o quarto cheio de vazio:
a do telefone diz: — “ Foi engano!”,
a da televisão deixa insone os dubladores,
a do vinil pula um acorde do trompete do Armstrong,
enquanto a da vizinha ao lado é macia com o namorado.
Alfredo,
agora descasado,
sempre com a luz acesa,
despe-se dos óculos
e expõe a sensualidade de quem tudo vê:
do abajur arredondado ao porta-retrato sem mais rostos.
É tarde demais
para desmarcar os amigos da agenda
para pagar a conta atrasada do mercado
para voltar a namorar sem medo de erros.
Visivelmente escondidas,
as amantes certamente estarão
nos braços-polvo de outros homens
que gostam de se aconchegar sem solidão.
Blecaute!
Alfredo,
quarenta e tantos anos de idade,
deu um clique no interruptor
e se viu frente a frente com a lua apagada.
Sem namoradas para o dia
sem calculadoras de bolso
sem as lembranças dos medos
que guardava do escuro,
garatujou rabiscos inconseqüentes
de memória. A consciência não perde a luz.
Dia claro!
Alfredo,
quarenta e quatro anos apagados
apelidado de “fim de noite”
por nunca ter acordado o escuro
provou, de papel passado,
que jamais será tarde
para dormir poeta.