UM HOMEM EM CASA

Desacordado

por um tempo longo,

o amor abriu o olho mágico da porta

para o homem que chegava com jeitinho de ficar:

toalha encharcada,

chão do banheiro molhado,

a tábua do sanitário, nem lhe fale!...

Inesperado,

sem ausência trágica,

o amor fez-se cor pintadinho de novo

com o homem que chegava molhado de fracasso:

queixo quase trincado,

na pele, um frio reconhecido,

ronco encruado à altura do peito!...

Agora tens um homem-inquilino, morador de casa

que escorrega pleno em teu corpo

- sempre espreguiçado –

fingindo cansaço para ganhar mais afagos,

banhos de língua, dedos de carinho

da mulher que ocupa seu espaço.

Despercebido,

um pedido de perdão másculo

foi ouvido pela casa, cantos e quartos:

Não deixes os lençóis vencerem a falta de pudor

da cama desfeita que não mais te quer cobrir,

não deixes o quase sono cochilando, desconfiar

desse homem que volta, pontas de pés

do exercício suado,

trazendo-te nas mãos

uma flor sorrindo de surpresa.

Agora tens um homem-menino, guardador de alma

que brinca de cobrir teu corpo

- seja seco ou atarefado -

com o linho branco do deslize molhado,

que certamente, um dia, filhos dará

a quem entrou apaixonado em tua casa.

Desfaleça,

mas não tardes a acordar

a fala de “bom-dia” ao homem que volta já já!

Ele foi ali, à rua,

em busca de algumas friturinhas,

pois o amor não fica de pé se viver só de brisa.

Agora tens um homem-de-rua vivo pela casa.

Viu? Valeu a pena acordares tarde:

agora, tens um homem dentro de casa!