ONDE ESTÁ DEUS! (parte 3 de 7)

Nas asas do beija-flor e na algema no refém;

Na ogiva do míssil e nos cascos do palafrém;

No reduto da máfia e na abadia em Jerusalém;

No baú cheio de prata e na sacola sem um vintém;

Na detestável maledicência e no altruísmo do amém;

No genocídio dos judeus e no nascimento em Belém.

Está na tristeza do luto e na gostosa saudade;

Está na desmedida avareza e na mixa caridade;

Está no milésimo de segundo e em toda eternidade;

Está no passo de tartaruga e na máxima velocidade;

Está na pequenez da mentira e na grandeza da verdade;

Está na simbiose hospedeiro/parasita e na biodiversidade.

Na escada magirus e na corda da peconha;

No pudor da noiva e no marido sem vergonha;

Nos dez mandamentos e na marca na coronha;

No látex da seringueira e no queijo da pamonha;

Na procissão da novena e no tráfico de maconha;

Nos préstimos da parteira e na crendice da cegonha.

Está na galhofa da gíria e no linguajar correto;

Está na barriga da grávida e no aborto do feto;

Está no cansaço do avô e na vitalidade do neto;

Está no epicentro do furacão e no vácuo quieto;

Está no habitante do palácio e no andarilho sem teto;

Está na caligrafia do sábio e na garatuja do analfabeto.

No quebra-cabeça e no logaritmo binário;

No anjo de guarda e no menino mercenário;

No endereço no mapa e na seta ao contrário;

Na promissória do agiota e no extrato bancário;

No absolutamente concreto e no insólito imaginário;

Na carapaça do quelônio e no invólucro do protozoário.

Está no elixir de cicuta e na nicotina do cigarro;

Está no xarope genérico e na tosse com pigarro;

Está no remédio homeopático e no suco no jarro;

Está na múmia no sarcófago e no verme no barro;

Está no esmolambado indigente e no janota bizarro;

Está na ejaculação precoce e no peito cheio de catarro.

Deus está na teimosia radical e no jogo de cintura;

Deus está na sanidade caipira e na urbana loucura;

Deus está no ataúde humilde e na luxuosa sepultura;

Deus está no maxilar do símio e na falha na dentadura;

Deus está na escassez de ontem e no amanhã de fartura;

Deus está na pancada no cravo e no buraco da fechadura.

Na caixa de pandora e na arca da aliança;

No humor da fala e no olhar de esperança;

No lustro da careca e no arranjo da trança;

Na lágrima da mãe e no sorriso da criança;

Na tranquilidade da ioga e no rebuliço da dança;

Na diferença das coisas e também na semelhança.

Na bela mansão e nas ruínas da tapera;

Na fantástica realidade e ainda na quimera;

Na quietude da floresta e no rugido da fera;

No inverno gelado e na ensolarada primavera;

Na professora abnegada e na madrasta megera;

Na fumaça das fábricas e no oxigênio da atmosfera.

Está na polpa da fruta e na gema do ovo;

Está na saliva na boca e na língua do povo;

Está no bico da águia e nas garras do corvo;

Está no vôo do albatroz e nos peixes no covo;

Está na sabedoria do velho e na ignorância do novo;

Está nos dentes do tubarão e nos tentáculos do polvo.

Nos dribles do Pelé e nos chutes do Zico;

No imensurável pobre e no bastante rico;

No baixio do pântano e no cume do pico;

No ano do descobrimento e no dia do fico;

No bramido do godizila e no piado do tico-tico;

No obsoleto congresso e no conteúdo do penico.

(junho/2003)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 25/02/2011
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