ENVOLVIMENTO I-XII

ENVOLVIMENTO I

EU BUSCO A ORLA

subjacente a meus ideais secretos,

a meus anseios tolos, mas diletos

DE ESTAR CONTIGO.

BUSCO A BAINHA

dessa espada afiada que avizinha,

brincando, da maneira mais mesquinha,

COM MINHAS ARTÉRIAS.

PROCURO A FÍMBRIA

desses teus lábios cheios de ternura,

um coágulo de amor na comissura:

BASTA-ME A ORLA.

PROCURO A MARGEM,

sem que jamais me encha de coragem,

sem me esforçar por ter qualquer vantagem,

AO LADO TEU.

E ENTÃO ALCANÇO

tão somente o amor do meu fantasma,

dessa mulher interna que me orgasma

E ESTOU CONTIGO.

ENVOLVIMENTO II

EU FUJO A TI

nessa doçura morna que me expande,

nesse amargor saudável, delirante

DE MAL-ESTAR.

NÃO TE PROCURO

por não querer enfrentar teu olhar duro,

porque me sinto, afinal, tão inseguro

DE CONQUISTAR.

APENAS PENSO

nesse palor que me reclama, imenso,

em como poderia um som intenso

ENGAIOLAR.

TENHO PALAVRAS

desde o fundo da garganta retinindo,

que teus ouvidos não ficarão ouvindo,

PORQUE ME CALO.

POIS ENGASGADAS

no meu palato sempre ficarão,

sem serem ditas, porque recearão

OUVIR TEU NÃO.

ENVOLVIMENTO III

EU BUSCO A NÁUSEA

subjacente à minha busca ausente,

à multidão de recuos, tão frequente,

À DESANIMAÇÃO.

EU BUSCO O ENJOO

que se encontra em cada dia que eu escoo,

em cada noite em que abandono o voo,

SEM MAIS MOTIVAÇÃO.

BUSCO A SANDICE

que me faz recolher-me em minha tolice,

antes que o tato aflore tua ledice,

EM PERSPIRAÇÃO.

BUSCO O MARASMO

que me envolve nas nuances desse pasmo,

que me emaranha na mulher que só fantasmo,

NA IMAGINAÇÃO.

NA ARQUEOLOGIA

de todo vaivém, que em mim fazia,

se corredores mortos percorria

DA AUTO-ESCAVAÇÃO.

ENVOLVIMENTO IV

AFLORA AO PEITO

o coro triunfal de meu despeito,

as lavras longas desse extenso eito

EM DESAPONTAMENTO.

OLHO PALAVRAS

redigidas por mentes semiescravas,

que se rebelam ao se sentirem parvas

DE ESGOTAMENTO.

TERMINA O ASSUNTO:

a ponta de meus dedos assim unto

com suores de meu sonho defunto

DE ATURDIMENTO.

LAMBO MINHAS UNHAS

com o sangue escorrendo sobre as cunhas,

o ordálio sob o qual me testemunhas

RESSENTIMENTO.

RESTAM OS OVOS

fervidos sobre a chapa desses povos,

que se sublevam nos instantes novos

DO ALUMBRAMENTO.

ENVOLVIMENTO V

ÉS GALATEIA

a sombra do cinzel, branca epopeia,

esculpida por minhas cinzas, assembleia

EM LUZ AIROSA

ÉS AFRODITE

imaginada por quem mais te acredite,

perturbadora a quem teu corpo incite,

DE ESPUMA ROSA

ÉS DIANA AINDA

a caçadora de virgindade infinda,

a lua de prata com sua foice linda,

PUNDONOROSA

PALLAS-ATHENA

guerreira coroada de verbena,

a padroeira insensível de minha pena,

DEUSA GLORIOSA

MAS TE QUERIA JUNO

com quem me poderia tornar uno,

por cuja ausência eu a mim mesmo puno:

DOR RANCOROSA

ENVOLVIMENTO VI

NEM MESMO EU SEI

até que ponto te lancei encantamento

ou até onde foste tu que me lançaste:

SEQUER PENSEI

ATÉ JULGUEI

que esse encanto real fosse sentimento,

quando o sorriso sobre mim deixaste:

OU ESPEREI

ACHEI, TALVEZ,

que brotaria de ti algo concreto

e não fosse somente imagem minha

QUE O SONHO FEZ

SEM QUE ME DÊS

nem a centelha de um amor secreto,

nem a sombra mais tênue e mais mesquinha

NISTO QUE LÊS

E ASSIM EU FICO

amando a imagem que criei em mim

e que não poderá sair, enfim,

DO CORAÇÃO

ENVOLVIMENTO VII

OUTROSSIM

da vida é parte a geral reminiscência:

não se pode viver em liberdade,

NEM TER UM FIM

EU SEMPRE VIM

carregado de fatal inadimplência:

dos sonhos que troquei por saciedade,

SEM TER ASSIM

O GOSTO APENAS

de uma só vez ter chegado às minhas estrelas,

de uma só vez ser acolhido pelas fadas,

MÁGICAS CENAS

POIS HÁ DEZENAS

de descaminhos que conduzem até elas,

mas me faltou combustível nas jornadas

E A DURAS PENAS

PUDE ATINGIR

o cume das montanhas que alcancei,

no qual não sei por quanto tempo durarei,

ATÉ CAIR

ENVOLVIMENTO VIII

E EU PREFERIA

ter conservado apenas a ilusória

percepção que um passado amortecia,

QUE MAIS QUERIA

NÃO SENTIRIA

traída assim a centelha da memória,

na prata azul que a dor satisfazia,

QUE ME ILUDIA

E AGORA É TARDE:

pois a imagem superpôs-se toda à antiga

e nem recordo meu desejo e é isto

QUE ME ARDE

ASSIM ME ALBARDE

as montarias um fictício auriga

e então me afaste da memória o quisto

QUE ASSIM ME ENCARDE

A GENITAL TERNURA

que foi antes tão doce na lembrança,

mas que agora enxovalhou-me a esperança

ANTES TÃO PURA

ENVOLVIMENTO IX

QUEM FARIA

morta lembrança retornar à vida?

após um terremoto de vivência oculta,

QUEM NOS DIRIA?

QUEM NOS DARIA

reincidência real desta perdida

saudade inglória que a tanto nos indulta,

QUEM SABERIA?

E ENTÃO, RETORNA

e a vida se faz luz iridescente,

no rosicler intermitente da esperança

DA AURORA MORNA.

E SE CONFORMA

com o véu escuro, apenas transiente,

que a vida nova não é mais lembrança

E ENTÃO SE ESTORNA

DE FORMA TAL

que essa memória que à vida retornou,

já se diluiu, no momento em que mostrou

SEU ROSTO ATUAL.

ENVOLVIMENTO X

SEM TI

minha vida é feita de aridez somente,

mas sei que existe e isto é quanto basta

NO MEU AQUI.

POR TI

eu queimarei a vida indiferente,

destroçarei quanto de ti me afasta,

POIS TE PEDI

FICASSES

sempre a meu lado até chegar o fim

e mataria os teus dragões com a lança,

SE ASSIM ME AMASSES.

E SE CANSASSES

de me escutar a dizer coisas assim,

se apagaria o quanto a vista alcança,

SE ME DEIXASSES.

PORÉM

sinto tua mente comigo neste dia

e do casto candor canto a elegia,

HOJE TAMBÉM.

ENVOLVIMENTO XI

HOJE NEM SEI

se tua presença alegria me traria.

pássaros mortos no rubor da espera

JÁ NEM SONHEI.

MAL ME ACORDEI

com toda a falsa luz da melodia,

vendo a esperança uma esperança mera

QUE NEM TENTEI

CONCRETIZAR

em lágrimas de cor o meu talento,

desperdiçado em rumas de papel,

SEM MAIS LUGAR.

SEM REPASSAR

a consequência vã do apropriamento,

adjudicado no teor de um só cartel

DO IMAGINAR.

EM CONSEQUÊNCIA

a vida toda transformada em anel partido,

por mais que o sonho tenha perseguido

COM IMPACIÊNCIA.

ENVOLVIMENTO XII

QUANDO EU TE VIR

toda vestida do rosado de tua pele,

(mas que somente teu sorriso te desnude)

E TE SENTIR;

QUANDO EU OUVIR

um sussurro que à morte minha apele,

(sem nenhuma barreira que me escude)

E ME ESVAIR;

A MENTE DÓI,

só de pensar que nunca aconteceu

matar por ti o mais feroz dragão,

SEM SER HERÓI.

A MENTE RÓI

de misturar o teu perfume com o meu,

de te inserir bem fundo ao coração,

QUE O TEMPO MÓI

ESSA LEMBRANÇA

da flor azul que transplantei um dia

e que no fundo de ti cresceu esguia,

QUAL A ESPERANÇA.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 24/02/2011
Código do texto: T2811680
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.